Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Rushdie investiga a brevidade dos apogeus
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O romance de Salman Rushdie,
55, "Fúria", em que a criatura (a
boneca Pequeno Cérebro) se volta
contra o criador (o professor Solanka) e quase o esfacela, foi descrito por alguns críticos como
"profético" devido aos atentados
de setembro de 2001. Autor do
controverso livro "Os Versos Satânicos", o escritor anglo-indiano
diz, em entrevista à Folha, que
"Fúria" mostra que "a idade de
ouro na história de uma cidade ou
de um país é sempre breve".
Folha - Em seu romance mais recente, "Fúria", o protagonista satiriza Nova York. Por quê? O sr. também critica a cidade onde vive há
quatro anos?
Salman Rushdie - Essa visão corresponde parcialmente à minha.
Eu sou bem menos mal humorado do que Solanka em relação à
América e a Nova York. Há críticas contra a América -o que reflete uma tendência mundial-
em relação ao materialismo, aos
excessos, e eu queria que Solanka
concentrasse toda essa crítica.
Folha - O que representa a fúria
que se apossa de Solanka?
Rushdie - O romance sugere que
o que acontece com ele é uma metáfora daquilo que acontece no
mundo. É possível também dizer
que o que ele vê no mundo é, na
verdade, uma projeção daquilo
que está se passando em seu íntimo. Por causa do 11 de setembro,
muitas pessoas dizem que este livro é profético. Acho que "Fúria"
deixa claro que a idade de ouro na
história de uma cidade ou de um
país é sempre breve.
Folha - Seu livro "Step Across This
Line" parece ser uma tentativa de
evitar perguntas sobre a sentença
de morte imposta no Irã em 1989...
Rushdie - Sim. Escrevi vários textos nos nove anos em que tive de
me esconder que retratavam minha experiência pessoal. Seria
maravilhoso se as pessoas soubessem menos sobre minha vida e
mais sobre meus livros.
Folha - O que o sr. gosta de ler
quando está escrevendo um livro?
Rushdie - Gosto de ler poesia
quando escrevo prosa, pois é uma
forma de lembrar que é preciso
dar atenção especial à linguagem.
É um problema escrever um texto
longo, há um instinto preguiçoso
de escrever frases fáceis do tipo
"Ele veio e fechou a porta".
Folha - O sr. se policia para evitar
carregar demais nos matizes autobiográficos em sua obra?
Rushdie - Geralmente, não me
censuro. Em "Fúria", Solanka tem
minha idade, fez a mesma mudança que eu fiz, tem uma namorada semelhante à minha, mas esse é apenas o ponto de partida.
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Texto Anterior: Bienal do livro: Oswald de Andrade ganha olhar caseiro Próximo Texto: Na orla Índice
|