São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Joca Terron desvenda Egito mítico

"Do Fundo do Poço se Vê a Lua", novo romance do autor, leva relação conflituosa entre gêmeos para as ruas do Cairo

Narrativa reflete traumática experiência na capital, onde viveu por um mês, com favelas, ataques contra turistas e fundamentalismo


MARCO RODRIGO ALMEIDA
DA REPORTAGEM LOCAL

Joca Reiners Terron impôs uma condição para receber a reportagem da Folha: que o horário da entrevista não coincidisse com o da exibição do seriado "Lost" na TV a cabo.
"É um programa formidável. A trama principal envolve vários planos e questões temporais. E os personagens são muito cativantes."
Ao enumerar as qualidades da série, Terron, de certa forma, também descreve o caminhos que tentou percorrer durante a escrita de seu novo romance, "Do Fundo do Poço se Vê a Lua", que lança agora.
O livro traz a história dos gêmeos Wilson e William. Enquanto William é másculo e violento, Wilson é sensível e quase feminino.
A relação fraternal já era um tema que perseguia Terron há tempos. Ambientá-la no Egito, porém, foi o resultado de um longo e árduo processo.
O romance faz parte da coleção "Amores Expressos", idealizada pela produtora RT/featuers em parceria com a editora Companhia das Letras.
O projeto bancou a estadia de autores brasileiros em algumas capitais do mundo, com a condição de que eles escrevessem uma história de amor ambientada nesses países.
Em 2007, Terron, acompanhado por sua mulher (Isabel), a quem dedica o livro, passou um mês no Cairo. Da experiência resultou uma trama de um romantismo bastante peculiar, bem ao estilo do autor: conciliando passado e presente, envolve mudança de sexo, assassinatos e perda da memória.
Não apenas a passagem dos personagens do livro pelo país das pirâmides foi complexa. Terron diz ter se arrependido da viagem assim que pousou no aeroporto da cidade.
"Os turistas não têm um único momento de folga no Egito. A todo instante alguém quer te enganar, fazer com que você faça algo que não quer fazer."
Além dos infortúnios pelos quais passou como visitante (no hotel em que se hospedava, por exemplo, o andar de cima ao seu era ocupado por cabras, pombas e codornas, entre outros animais), Terron encontrou um Egito bem diferente do propagado pelos livros.
Ao lado das riquezas históricas e belezas culturais, o escritor se viu diante de favelas, frequentes ataques terroristas contra turistas e de um país "fundamentalista, muito agressivo em relação às mulheres".
"Só quando voltei ao Brasil percebi como a experiência foi inesquecível. O fundamental para mim foi conviver com o Egito real das ruas de Cairo e aquele outro, meio brega e kitsch, que só existe na nossa imaginação."
Três anos após a viagem, a "questão Egito" talvez tenha sido decifrada, mas não amenizada. A inquietante dicotomia entre a aparência e a realidade é o próprio mote da história do livro: a obsessão de Wilson em se tornar uma mulher, inspirado por um dos ícones mais pop do Egito: a rainha Cleópatra imortalizada por Elizabeth Taylor no cinema em 1960.
Menos fragmentário e mais extenso do que os livros anteriores do autor (como "Não Há Nada Lá" e "Sonho Interrompido por Guilhotina"), "Do Fundo..." aponta para uma nova abordagem estilística na obra de Terron.
"Queria escrever um livro de personagens, em que o leitor pudesse conviver com eles por mais tempo. Antes, meus personagens eram mais esquemáticos e planos. Desta vez, tentei criar um envolvimento maior."


Texto Anterior: Crítica/"Contos Reunidos": Livro traz Marques Rebelo refinado e impressionista
Próximo Texto: Crítica: Trama é repleta de clichês sobre país estrangeiro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.