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LIVROS
Joca Terron desvenda Egito mítico
"Do Fundo do Poço se Vê a Lua", novo romance do autor, leva relação conflituosa entre gêmeos para as ruas do Cairo
Narrativa reflete traumática experiência na capital, onde viveu por um mês, com favelas, ataques contra turistas e fundamentalismo
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DA REPORTAGEM LOCAL
Joca Reiners Terron impôs
uma condição para receber a
reportagem da Folha: que o
horário da entrevista não coincidisse com o da exibição do seriado "Lost" na TV a cabo.
"É um programa formidável.
A trama principal envolve vários planos e questões temporais. E os personagens são muito cativantes."
Ao enumerar as qualidades
da série, Terron, de certa forma, também descreve o caminhos que tentou percorrer durante a escrita de seu novo romance, "Do Fundo do Poço se
Vê a Lua", que lança agora.
O livro traz a história dos gêmeos Wilson e William. Enquanto William é másculo e
violento, Wilson é sensível e
quase feminino.
A relação fraternal já era um
tema que perseguia Terron há
tempos. Ambientá-la no Egito,
porém, foi o resultado de um
longo e árduo processo.
O romance faz parte da coleção "Amores Expressos", idealizada pela produtora RT/featuers em parceria com a editora Companhia das Letras.
O projeto bancou a estadia
de autores brasileiros em algumas capitais do mundo, com a
condição de que eles escrevessem uma história de amor ambientada nesses países.
Em 2007, Terron, acompanhado por sua mulher (Isabel),
a quem dedica o livro, passou
um mês no Cairo. Da experiência resultou uma trama de um
romantismo bastante peculiar,
bem ao estilo do autor: conciliando passado e presente, envolve mudança de sexo, assassinatos e perda da memória.
Não apenas a passagem dos
personagens do livro pelo país
das pirâmides foi complexa.
Terron diz ter se arrependido
da viagem assim que pousou no
aeroporto da cidade.
"Os turistas não têm um único momento de folga no Egito.
A todo instante alguém quer te
enganar, fazer com que você faça algo que não quer fazer."
Além dos infortúnios pelos
quais passou como visitante
(no hotel em que se hospedava,
por exemplo, o andar de cima
ao seu era ocupado por cabras,
pombas e codornas, entre outros animais), Terron encontrou um Egito bem diferente
do propagado pelos livros.
Ao lado das riquezas históricas e belezas culturais, o escritor se viu diante de favelas, frequentes ataques terroristas
contra turistas e de um país
"fundamentalista, muito agressivo em relação às mulheres".
"Só quando voltei ao Brasil
percebi como a experiência foi
inesquecível. O fundamental
para mim foi conviver com o
Egito real das ruas de Cairo e
aquele outro, meio brega e
kitsch, que só existe na nossa
imaginação."
Três anos após a viagem, a
"questão Egito" talvez tenha sido decifrada, mas não amenizada. A inquietante dicotomia
entre a aparência e a realidade
é o próprio mote da história do
livro: a obsessão de Wilson em
se tornar uma mulher, inspirado por um dos ícones mais pop
do Egito: a rainha Cleópatra
imortalizada por Elizabeth
Taylor no cinema em 1960.
Menos fragmentário e mais
extenso do que os livros anteriores do autor (como "Não Há
Nada Lá" e "Sonho Interrompido por Guilhotina"), "Do
Fundo..." aponta para uma nova abordagem estilística na
obra de Terron.
"Queria escrever um livro de
personagens, em que o leitor
pudesse conviver com eles por
mais tempo. Antes, meus personagens eram mais esquemáticos e planos. Desta vez, tentei
criar um envolvimento maior."
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