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Crítica
Trama é repleta de clichês sobre país estrangeiro
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Do Fundo do Poço se
Vê a Lua", de Joca
Reiners Terron,
faz parte da coleção "Amores
Expressos", que despachou autores brasileiros para o mundo
com a "missão" de situar histórias de amor no estrangeiro.
Terron foi ao Cairo e se saiu
mal. Esboço, abaixo, as razões
do fracasso.
O romance conta a história
de dois gêmeos univitelinos em
que um deles é bronco, enquanto o inteligente, que faz as vezes
do narrador, quer virar mulher,
fissurado pela Cleópatra interpretada por Liz Taylor, a quem
chama de "santa padroeira".
A ideia se presta a uma narrativa farsesca para rir dos clichês
do imaginário "gay". Ocorre
que ela é complicada por uma
série de incidentes.
Só para dar uma amostra: há
uma mãe guerrilheira, morta
ao dar a luz; um pai ator, fixado
em duplos; paradoxos físicos
escolares; eventos fantásticos,
como a inundação do Bexiga e a
alucinação visual de não enxergar o próprio pênis; inferninhos da rua Augusta e do Cairo,
assassinatos, estupros; operação de troca de sexo; idas e vindas no tempo; amnésia do narrador; diário lido aos poucos;
um recorte de jornal que explica tudo mas que se deixa para
ler só ao final. Enfim, tudo sem
razão de ser a não ser agitar a
farsa.
A vantagem evidente de
mandar os autores às cidades
estrangeiras era que as conhecessem e fizessem ambientações menos canhestras.
No caso de Terron, a viagem
foi inútil: dançarinas do ventre,
cafetões charmosos, tempestades de areia, vielas labirínticas,
cortesãs misteriosas, aristocratas e hotéis decadentes, garotos
pedintes, milícias fundamentalistas, xeiques tarados... Há tantos estereótipos do Cairo que
faz duvidar do interesse de ter
ido até lá.
A questão potencialmente
dramática do transexual se dissolve nos lugares comuns sobre
travestis deslumbrados por estrelas de Hollywood.
Também não convence o salto participante que acusa o lugar subalterno da mulher. O livro sofre de regressão ao estado
de videogame: aventura vazia
preenchida por mil eventos.
ALCIR PÉCORA é professor de
teoria literária na Unicamp
DO FUNDO DO POÇO SE VÊ A
LUA
Autor: Joca Reiners Terron
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43 (280 págs.)
Avaliação: ruim
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