São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

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Crítica

Trama é repleta de clichês sobre país estrangeiro

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Do Fundo do Poço se Vê a Lua", de Joca Reiners Terron, faz parte da coleção "Amores Expressos", que despachou autores brasileiros para o mundo com a "missão" de situar histórias de amor no estrangeiro. Terron foi ao Cairo e se saiu mal. Esboço, abaixo, as razões do fracasso.
O romance conta a história de dois gêmeos univitelinos em que um deles é bronco, enquanto o inteligente, que faz as vezes do narrador, quer virar mulher, fissurado pela Cleópatra interpretada por Liz Taylor, a quem chama de "santa padroeira".
A ideia se presta a uma narrativa farsesca para rir dos clichês do imaginário "gay". Ocorre que ela é complicada por uma série de incidentes.
Só para dar uma amostra: há uma mãe guerrilheira, morta ao dar a luz; um pai ator, fixado em duplos; paradoxos físicos escolares; eventos fantásticos, como a inundação do Bexiga e a alucinação visual de não enxergar o próprio pênis; inferninhos da rua Augusta e do Cairo, assassinatos, estupros; operação de troca de sexo; idas e vindas no tempo; amnésia do narrador; diário lido aos poucos; um recorte de jornal que explica tudo mas que se deixa para ler só ao final. Enfim, tudo sem razão de ser a não ser agitar a farsa.
A vantagem evidente de mandar os autores às cidades estrangeiras era que as conhecessem e fizessem ambientações menos canhestras. No caso de Terron, a viagem foi inútil: dançarinas do ventre, cafetões charmosos, tempestades de areia, vielas labirínticas, cortesãs misteriosas, aristocratas e hotéis decadentes, garotos pedintes, milícias fundamentalistas, xeiques tarados... Há tantos estereótipos do Cairo que faz duvidar do interesse de ter ido até lá.
A questão potencialmente dramática do transexual se dissolve nos lugares comuns sobre travestis deslumbrados por estrelas de Hollywood. Também não convence o salto participante que acusa o lugar subalterno da mulher. O livro sofre de regressão ao estado de videogame: aventura vazia preenchida por mil eventos.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


DO FUNDO DO POÇO SE VÊ A LUA

Autor: Joca Reiners Terron
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43 (280 págs.)
Avaliação: ruim




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