São Paulo, Sábado, 22 de Maio de 1999
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TRECHO
"Qual é a história que eu aqui quero contar? De gente que é muito esquisita, de criança que é muito solitária, de um Menino que sabe muita coisa e de que saber é muito perigoso.
O estranho é que sei sem ter conhecido, penso o que ainda nem foi posto em palavras; mais estranho ainda, o que invento pode mais tarde acontecer: quem verdadeiramente dita as falas, quem comanda nesse palco?
Eu sou narrador e personagem, eu escrevo o roteiro, sou eu quem salta entre os cenários e observo dos bastidores.
Mas às minhas costas sopra essa voz mais forte do que eu: o anjo que fia e tece e borda e me prende nesse enredo. Não calculei bem os seus poderes, nisso me perdi.
Fiz um pacto e executei os rituais, mas começo a ver que mais do que narrei estou sendo narrado: pois não parei simplesmente de crescer. Estou mudando de muitas formas. Minha altura continua a mesma, mas por dentro eu ainda cresço.
Um dia não vou caber mais em mim? Vou explodir ou, como cobra troca de pele, eu trocarei de máscaras? É isso que fazem os adultos com os quais não quero me parecer?"
Trecho extraído do livro "O Ponto Cego", de Lya Luft


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