São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

"Alice Através do Espelho" e peça de Antunes dialogam em festival

SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Um festival não é só vitrine de novidades: serve para rever espetáculos que ganham novo sentido ao ladearem outros.
O público do festival de Rio Preto tem a oportunidade, por exemplo, de assistir ao sóbrio "Foi Carmem Miranda", de Antunes Filho, em seguida ao contagiante "Alice Através do Espelho", da Armazém Cia de Teatro. São peças complementares, de virtudes diferentes, mas com a infância como eixo, e, de certa forma, uma ilumina a outra.
"Alice..." leva o público por um torvelinho de sensações: a sensualidade sem culpa, a capacidade de se reinventar no imaginário, o prazer de se lançar no escuro.
A peça acompanha por espaços mágicos essa menina-moça perdida em uma encruzilhada da vida, que Liliana Castro faz com delicadeza e garra, tirando partido de sua beleza. Mas não deixa de compartilhar a aventura, pois ao seu lado estão atores como Patrícia Selonk, que faz um lisérgico Chapeleiro Maluco; a poderosa rainha, Simone Mazzer; e Sérgio Medeiros, um Lewis Carroll emocionante na sua fragilidade.
A adaptação de Paulo de Moraes tira partido do País das Maravilhas fazendo pontes com temas atuais ao apresentar o adolescente diante do fascínio pelo sexo, pelas drogas, pela loucura. Sob o maravilhamento com os cenários múltiplos, o figurino e as canções, vibra uma angústia subterrânea.
Em "Foi Carmem Miranda", a angústia está nua, em cima do palco. A partir do tema enganadoramente exaltativo, a brasilidade de exportação, o que vai para a berlinda é o próprio conceito de espetáculo teatral. Aqui a distância entre o palco e a platéia é mantida em seu ponto mais frio. Vemos três viúvas e uma menina, com precisão beckettiana, ouvirem Carmem cantar.
Não se vê a cantora ainda, e é como se a platéia se contemplasse a si mesma, tomando consciência sem pressa do patético de sua condição.
Quando Carmem se materializa, é como uma entidade de candomblé, no butô de Emily Sugay, ou no impactante samba trágico de Arieta Corrêa, forte em sua fragilidade. Juliana Galdino discursa em fonemol, a língua imaginária do CPT, satirizando com desenvoltura os efeitos retóricos das biografias oficiais, e Paula Arruda, em contraste com a tristeza reinante, enche o palco com sua ingenuidade sábia, menina sonhando em ser Carmem Miranda.
A infância, nas duas peças, é a pedra de toque que protege contra a dureza do real. Por caminhos paralelos, celebram a capacidade de se maravilhar, ponto de honra do teatro.


O crítico Sergio Salvia Coelho e a repórter-fotográfica Lenise Pinheiro viajaram a convite da organização do Festival Internacional de Rio Preto

Foi Carmem Miranda:
    

Alice Através do Espelho:
    


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