São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

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TRECHO

Numerosas histórias sertanejas baseiam-se na crendice segundo a qual quanto mais selvagem e primitivo é um ser, maiores são os poderes ocultos de que ele pode dispor. O untor rejeita tais mistificações. Considera-se vítima de todas as formas de crendice. Por esse motivo, desmonta do jerico mágico e abandona-o à margem da estrada, partindo com a pesada sela de couro nas costas.
Algumas léguas adiante, percebe que está sendo seguido pelo animal. Quando vira à direita, o jerico também vira. Quando senta para descansar, o jerico aguarda, regurgitando uma folha de palma. O untor dá-lhe fortes pauladas no lombo. Inicialmente, o jerico foge assustado, mas retorna logo em seguida, permanecendo em seu encalço.
O untor conclui que a única solução é matá-lo. Agarrado a um tronco seco de gameleira, a mais de dois metros de altura, acerta uma pedra angulosa no meio da testa do jerico, que tomba no chão com as patas voltadas para cima, relinchando e estrebuchando, a densa saliva escorrendo pelos cantos da boca. De um instante para o outro, no entanto, o animal sacode a cabeça e ergue-se como se nada tivesse acontecido.

Extraído de POLÍGONO DAS SECAS , de Diogo Mainardi



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