São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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CRÍTICA

Poucos são tão brasileiramente modernos

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Poucos trabalhos de arte estiveram tão banhados pela experiência histórica como as telas de Francisco Rebolo expostas no MAM. Embora suas obras pareçam menos ousadas que as de modernistas que lhe antecederam, poucos foram modernos de um jeito tão brasileiro como o pintor.
Distante de concepções folclorizantes do primeiro modernismo brasileiro, representa uma continuidade de uma de suas principais ironias: a afirmação de uma identidade nacional do século 20 por meio de símbolos arcaicos, mostrando um modo brasileiro de lidar com a aceleração da vida na modernidade. Trata-se de uma estética do jeito.
Diferentemente da geração da Semana de 22, em suas primeiras paisagens, dos anos 40, o olhar é veloz, registra a imagem, como se ela se desfizesse. As pinceladas são descontínuas e a cor não aparece de maneira uniforme. Entretanto, a passagem tonal das cores parece garantir uma certa harmonia. Como se aquela velocidade buscasse restituir um estado de quietude, que sempre se mostra reconfortante, sobretudo diante do ritmo atribulado da modernidade industrial.
O contraponto mais claro a este ritmo está nas cenas mais corriqueiras pintadas por Rebolo. Em algumas, parece encontrar numa espécie de intimidade silenciosa.
Em pinturas posteriores à sua estada na Europa, torna-se mais formal, insistindo nesta convivência de tempos a partir do alheamento dos personagens. Um tempo completamente distinto povoa as dinâmicas de trabalho, dando maior leveza aos dias e à vida.
Nos trabalhos finais, este recolhimento aparece cada vez mais próximo da lembrança ou do sonho. O artista consegue isso espessando ou raleando a massa pictórica. Já são os anos 70, o abismo social brasileiro cresce. Esta lida mais suave com um ritmo externo talvez tenha perdido a efetividade histórica. Ganhou o aspecto de um horizonte externo, promessa de dias melhores.


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