ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O vencedor é um pianista chinês de 16 anos, chamado Chun Wang ("tchun uan"). É um músico tão extraordinário que quase redime, por si, os vexames desse primeiro Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos, promovido pela Osesp.
O recital do vencedor, anteontem à tarde na Sala São Paulo, incluiu uma interpretação deslumbrante de "Gaspard de la Nuit" de Ravel (1875-1937). Uma das peças mais difíceis em um repertório em que não faltam peças difíceis, até pouco tempo ela era propriedade moral de Martha Argerich, que a gravou em 1983. Até pouco tempo: até anteontem.
Que mistério dos mistérios é a personalidade. Desde o primeiro ataque de "El Corpus em Sevilla", de Albéniz (1860-1909) -um arpejo para cima, curto e rápido-, Chun Wang tomou conta do palco, magnetizando as vastidões do auditório. Ele tem um jeito meio felino de se jogar para frente e toca um pouco como um gato, sugerindo estocadas e orquestrando dinâmicas com uma intuição genial.
Mais tarde, no segundo movimento do Ravel, com a triste nota repetida e os acordes dissonantes gravitando ao redor, manteve a platéia num silêncio natural de admiração. E completou a peça, no feroz "Scarbo", com uma verdadeira enciclopédia de efeitos, sem que nenhum fosse só efeito, e incluindo, perto do fim, um rumor aterrorizante nos graves que parecia, naquele momento, uma invenção no acervo sonoro do instrumento.
E ele tem só 16 anos.
A segunda colocada, sua compatriota Jie Chen ("djie tchen"), não tem muito mais que isso: 20. É uma "habituée" de concursos, incluindo o Artur Rubinstein em Tel-Aviv; já se apresentou em salas como o Lincoln Center (Nova York) e a Salle Cortot (Paris).
Também tocou Albéniz, domingo; mas seu ponto alto foi a "Sonata Op. 2/3" de Beethoven (1770-1827), que ela encheu de vida e inteligência. Sempre elegante, é uma pianista que sonha acordada, expressão que deve ser lida com a devida ênfase: ela sonha, mas está acordada o tempo todo.
Os dois virão tocar na temporada 2007 da Osesp. Chun Wang também toca no Rio de Janeiro e em Porto Alegre (o prêmio inclui turnês na América Latina, na Suíça e na China, mais a gravação de um disco e US$ 30 mil).
Seria um final feliz, mas o começo e o meio foram tormentosos demais para não deixar certo gosto de festa estragada. A demissão do primeiro coordenador do concurso, o pianista Ilan Rechtman, por confessada manipulação de notas dos jurados que fizeram a seleção de candidatos, continua rendendo assunto -até mesmo uma reportagem no "New York Times", assinada pelo notório Larry Rohter, em que Rechtman se defende, em parte, acusando o maestro Neschling.
Ninguém até aqui perguntou nem explicou o mais importante: por que motivo foi dado esse cargo a Rechtman, já que não se trata de um pianista de maior renome nem está ligado a alguma instituição importante de ensino nem tem outra credencial que justificasse o fato. O concurso terminou muito bem. Mas não será fácil garantir sua credibilidade, e a Osesp acaba arranhada no episódio.

OSESP - RECITAL DOS VENCEDORES