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'BALAS DE ESTALO'
Leia a íntegra da crônica
Leia a seguir a íntegra da crônica de Machado de Assis, atualizada em sua grafia,
publicada sob a autoria de Lélio, na seção
"Balas de Estalo", na página 3 da "Gazeta
de Notícias" de 1º de janeiro de 1885.
Parece que cheira a chamusco. Dizem os
papéis avulsos que há receio de pancadaria eleitoral agora no dia 4. Eu, se querem
que lhes fale com o coração nas mãos, não
creio em tal coisa; mas, a fim de que não
se diga que, por negligência, deixei os
meus concidadãos sem algumas indicações salutares, vou dar-lhes um remédio
que reputo único e verdadeiro.
Hão de lembrar-se que a "Gazeta de
Notícias" transcreveu há dias de uma folha alemã, do rio da Prata, a carta de um
comissário argentino dando conta do procedimento que teve em território litigioso
da fronteira do Brasil. O comissário achou
ali um funcionário brasileiro, exercendo
não sei que autoridade na povoação, demitiu-o e deu-lhe logo a nomeação de
alcaide da república. Ambos os atos foram
aceitos sem resistência e as bandeiras trocadas sem protesto.
Esse caso (se é verdadeiro, o que ignoro)
traz em si, não só a solução da questão de
limites, mas também o remédio eleitoral
que proponho.
Quanto à primeira, basta mandar lá um
comissário brasileiro daqui a seis meses,
que reponha o nosso patrício no cargo
anterior. Seis meses depois, os argentinos
mandam outro comissário e fazem o mesmo; e, repetidas a ação de ambas as partes, semestralmente tiraremos à consciência do nosso patrício, qualquer vislumbre
de escrúpulo: ele imaginará que está cumprindo um acordo internacional. Só mudará então uma coisa, a aclamação: "-
Meus filhos, está vingada a justiça, viva a
república!", "- Meus filhos, restituídos ao
império, viva o imperador!". No mais, não
haverá mudança. Penacho e emolumentos.
Não há penacho sem emolumentos para
o eleitor, mas a paz pública é motivo bastante para um procedimento análogo.
Conseguintemente, aconselho ao eleitor
que divida os vivas, uns para o sr. Fulano,
e outros para o sr. Sicrano, ande com duas
bandeiras, uma na mão, outra no bolso.
Não é fácil manejá-las, guardando e sacando, ora uma, ora outra, mas podem
fazer um ensaiozinho em família. Uma
vez adestrados, há de ver que, não só escapam ao cacete, mas até podem achar nisso
umas horas de recreio, coisa rara neste
ano de calamidades.
Ou então, se a coisa lhe parece difícil e
pouco eficaz, aceitem a fórmula de um
velho preto, jardineiro da igreja da Glória. Não sei se sabem que voto naquela
seção. No dia do primeiro escrutínio, enquanto esperava a minha vez, passeava
no corredor que vai da sacristia à pia, e
tem janelas para o jardim. Numa destas,
vi estirado ao longo do peitoril um preto
velho, de barba curta e branca, tranquilo,
com os olhos meio cerrados. Cheguei-me a
ele e perguntei-lhe se era pelo sr. Fulano
ou pelo sr. Sicrano, candidatos. Respondeu-me, atarantado:
- Eu sou aqui mesmo da igreja, sim,
senhor.
Profundo filósofo! Filósofo prático! Enquanto um brada: "Penacho e emolumentos!" -fórmula rude e demasiado franca;
-outro: "Viva o sr. Fulano e viva o sr.
Sicrano!", fórmula útil, mas contraditória,
tu, meu bom velho, meu jardineiro obscuro, tu, filósofo sem livros, achaste a fórmula prática, tangível, segura, sublime, o
fundo dos fundos, a substância das substâncias, que é ficar sempre na igreja.
LÉLIO
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