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ARTIGO
FHC x Chico Buarque, ouvido e sociologia
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Todo mundo que estudou ciências sociais dos anos 60 em diante,
seja na USP ou em outros lugares
do Brasil, sabe de cor e salteado o
horror que é a educação musical
do sociólogo. Um desastre completo, tanto que desconheço professor de ciências sociais que possua ouvido apurado.
Quando não é indiferente à música de alto nível, demonstra mau
gosto em música popular, incapaz
de formular qualquer coisa que
preste sobre a questão acústica na
cultura brasileira.
Conversando com o ex-presidente português Mário Soares, leitor de "O Príncipe da Moeda",
livro que foi concebido originalmente como reflexão sobre o modo de produção acústica no Brasil,
FHC meteu o pau no compositor
Chico Buarque: sujeito de elite,
metido a crítico, repetitivo.
Nas ruas do Rio de Janeiro, eu vi
o seguinte adesivo colado em alguns automóveis: "Apesar de você, FHC". Menção explícita à conhecida canção de protesto feita
por Chico Buarque esculhambando o general Médici. Agora esse
general truculento cede lugar ao
melífluo sociólogo, numa atualização do corrosivo humor carioca: "Apesar de você, FHC".
O pessoal da escola de samba
Mangueira, que é a "life university" de Chico Buarque, está indignado com a falta de sensibilidade sonora de FHC, que colocou
em sua campanha eleitoral de 1994
a sanfona pecuniária de Dominguinhos cantando o onanismo dos
cinco dedos da mão.
FHC também pisou na bola com
a elite intelectual, para quem Chico Buarque é o Wagner do Pedro
Pedreiro de subúrbio. Imprudência falastrona do presidente colocar em julgamento a música de
Chico Buarque durante o processo
eleitoral de outubro próximo.
Se porventura FHC tivesse dito
que o compositor é um babaca
porque não vota nele, aí sim, tudo
bem, não haveria o menor problema. Todavia, o candidato-presidente proferiu um juízo de valor
sobre a estética de Chico Buarque.
Ora, os 160 milhões de brasileiros somos, antes de qualquer coisa, críticos de futebol e de música
popular. Palpite infeliz entre nós,
conforme poetou Noel Rosa, é incorrer em erro de apreciação crítica sobre música popular.
Cometer um erro de apreciação
crítica na área da música popular é
quase uma declaração de óbito, é
como assinar embaixo a morte do
Eros cantado por todas as classes
sociais. Afinal, Chico Buarque de
Holanda é o paradigma sonoro do
"homo sensualis" entre nós, tido
como decifrador da alma feminina, de modo que teria aumentado
a fama de misoginia típica da psique tucana: só para homens.
Há quem diga que Chico Buarque, libertando-se de suas afinidades eletivas com a Rede Globo, dará uma resposta musical lírica,
épica e dramática à substituição
do homem cordial pelo homem
violento na década de 90. Provavelmente a varanda da Casa Grande (Caetano Veloso) e o eito da
Senzala (Gilberto Gil) serão compelidos a rever suas identificações
com a paidéia tucana desde 1994.
Quem sabe a campanha eleitoral
de 98 não será uma batalha estética e ideológica travada dentro da
música popular brasileira?
Quem viver, ouvirá!
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