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CLOSE-UP PLANET 98
Racionais tocam para brancos e manos
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Os pretos que estavam no auditório eram artistas (havia artistas
brancos também), mas, ainda assim, Edy Rock (ou terá sido Blue,
Jay or Brown?) disse: "Nossa música é de preto pra preto". Certo,
era uma premiação de uma emissora que veicula clipes multi-raciais, em cujo elenco de apresentadores não há nenhum preto
-consta que remotamente houve
uma-, mas, afinal, o clipe dos caras, que fala e se passa na Detenção, foi o preferido da audiência.
Mas aí veio Blue (Jay? Rock?
Brown?), e Blue lembrou que "os
mano lá da favela não tem TV a
cabo e nem mesmo o conversor
UHF/VHF", nas goma lá não tem
nem mesmo telefone, computador ou placa fax/modem, acrescentaria eu, ficando então muito
difícil pra essa pá de maluco ligar
ou passar um e-mail para a MTV,
confirmando a vitória dos Racionais MC's sobre uns branquinhos
tipo Paralamas, Engenheiros do
Hawaii, Lulu Santos etc.
Na hora de receber o prêmio, os
"favelado" (mas com uns carango
da hora, segundo a revista "Época") e uns camaradas deles puxaram um coro de "filho da puta" e
demoraram uma cara pra pegar a
treta, o troféu, da mão de Carlinhos Brown, preto, a quem o xingamento teria sido destinado.
Hoje a fita é outra, os Racionais
vão abrir um festival de música
pop eletrônica, um festival patrocinado por um laboratório multinacional, e novamente a platéia
vai ser branca. Brother Brown talvez repita que sua mãe lavou muita roupa de playboy, que o Capão
Redondo não é a Disney, talvez dirija imprecações ao "sistema".
O problema é que o "sistema"
está engolindo os Racionais. Tá
certo, hoje, mesmo depois do Close-Up Planet, eles vão estar na Rosas de Ouro tocando pra rapaziada, não falam com a Globo etc.,
dizem a real da periferia e são
bons, excelentes nisso (um verso
tirado a esmo entre tantos outros:
"Tem mano que te aponta uma
pistola/ E fala sério/ Explode a tua
cara/ Por um toca-fita velho").
Mas isso já não adianta. A música deles é pra preto, mas boa parte
desses 500 mil malucos que compraram o disco é formada por
"branquinhos de shopping",
"putas de butique", "putas de
olhos azuis", para usar umas frases deles. Pior, tem até intelectual
começando a querer saber qual é a
que é desses feinho.
É por essa razão que, contrariando mesmo o que diz Brown em
"Capítulo 4, Versículo 3", justamente a que apresentaram na
MTV, a profecia não se fez como
previsto, a fúria negra não ressuscita outra vez. Uma fúria informe,
branca, endinheirada, encampou
os Racionais, não importa se eles
gostam disso ou não. Eles podem
até voltar com um disco ainda
mais raivoso, mas não estão falando para a Nação Negra Brasileira,
que não existe.
Brown poderia então retirar a
candidatura a Farrakhan (não é
muçulmano, mas cada vez mais
incorpora um discurso messiânico) e deixar a fita rolar. Quem sabe
assim digeria melhor as Pizzas Hut
e os Big Macs que pediu para a
produção do festival.
Posto isso, é preciso dizer que
Racionais são ferrados (no bom
sentido). Conseguem cantar do
ponto de vista do detento, do bandido, do drogado, da mãe do mano meu coberto com jornal, do
morto no momento do velório
anônimo no cemitério São Luís.
Com a música, conseguem desviar os patrícios do mau caminho,
mantêm a chaga de horrores como
o massacre dos 111 ("Avise o IML/
Chegou o grande dia (...) Caviar e
champanhe/ Fleury foi almoçar
/Que se foda minha mãe").
Não fosse pouco, são os melhores cronistas da música brasileira
dos 90, os mais sérios artistas que
apareceram por aqui. Vá ao show
(na Rosas é mais barato), compre
"Sobrevivendo no Inferno". O bilheteiro não está autorizado a pedir comprovação de cor.
Show: Racionais MC's
Onde: Rosas de Ouro (r. Coronel Euclides
Machado, 1.066, tel. 011/857-4555)
Quando: hoje, às 21h.
Quanto: R$ 10
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