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NELSON ASCHER
O Império contra-atacado
Foi uma semana importante
a que passou.
Domingo, dia 14, num clima
emocionalmente carregado pelo
assassinato da ministra de Relações Exteriores Anna Lindh (defensora ardente do "sim"), a Suécia foi às urnas decidir se adotaria o euro. A maioria votou contra. Para os brasileiros, acostumados, por um lado, a usar sucessivamente o cruzeiro, o cruzeiro
novo, o cruzado, o real e, por outro, a calcularem em dólares, a
mudança rejeitada soa desimportante. Grande equívoco: a adoção
da moeda comum constitui uma
delegação decisiva da autogestão
nacional a instâncias remotas e
pouco representativas, pois a
União Européia assume cada vez
mais o aspecto de um império onde duas potências centrais, a
França e a Alemanha, ditam aos
membros menores ou menos
abastados regras econômicas que
elas mesmas não se sentem obrigadas a cumprir.
O império em questão resulta
da convergência de certos interesses nacionais.
A França gostaria de ser uma
superpotência e toda a sua retórica acerca de "multilateralismo"
não passa de fachada. Nem está
em seus planos ver, por exemplo,
o Brasil ou a Índia converterem-se em pólos alternativos e independentes de influência. À terra
de Asterix, porém, falta quase tudo o que faz uma superpotência:
tamanho, população, Forças Armadas de verdade, dinamismo
econômico etc. Ela dispõe tão somente de ambição e de um lugar
cativo entre os "cinco grandes" no
Conselho de Segurança da ONU,
único motivo pelo qual promove
a organização.
A Alemanha, embora menos
ambiciosa, detinha alguns dos recursos necessários, sobretudo, até
recentemente, uma economia (a
terceira do planeta) saudável. Na
primeira metade do século 20, os
alemães, quando resolviam intrometer-se na política internacional, faziam-no com o auxílio de
blindados. Dissuadidos disso em
1945, retraíram-se por quatro ou
cinco décadas. Embora ainda hoje não se saiba direito qual o caminho que seguirão, tais dilemas
não os impediram de emprestar
seu peso demográfico e econômico aos desígnios franceses.
Em poucas palavras, para o casal franco-alemão, na Europa
ideal a economia seria gerida por
Berlim, e a política estrangeira,
por Paris. Aos países do norte caberia recolherem-se à insignificância de suas dimensões e, cumprindo nordicamente as regras espartanas que só valem para eles,
financiarem a anuência silenciosa (e os votos) das nações do sul e
do leste.
A maioria dos suecos, além de
rejeitarem os planos acima, afirmou que não estava disposta a
subvencioná-los. O resultado do
plebiscito se mostra mais inesperado quando se considera que o
governo e todo o "establishment"
político social-democrata, a intelectualidade, a mídia e o empresariado investiram pesadamente
no "sim". Ademais, o euro e outros estratagemas destinados a
consolidar a União Européia são
geralmente vistos como de esquerda, e seu opositores, como
reacionários lunáticos. No entanto a rejeição sueca foi indiscutivelmente esquerdista e popular.
Outro país que segue guardando suas distâncias em relação ao
continente unificado é a Inglaterra. E, se Tony Blair simpatiza com
o euro, seu "atlanticismo", ou seja, a aliança com os EUA, o contrapõe frontalmente às aspirações
hegemônicas da diplomacia francesa. Ninguém fez tanto para
compeli-lo a se dobrar à eurofilia
antiamericana quanto a BBC,
uma emissora que, paga pelo contribuinte, transformou-se num
verdadeiro partido político, na
oposição (não eleita) de esquerda
ao "New Labour". Desmentida
em cada um de seus prognósticos
funestos a respeito da "vietnamização" da guerra de libertação do
Iraque, a BBC, através de seu repórter Andrew Gilligan, procurou
em seguida desmoralizar o governo com acusações que uma comissão parlamentar de inquérito
provou serem falsas. Na semana
passada, Gilligan teve de se desculpar diante dos parlamentares.
Mais que desmoralizada, a arrogante corporação acabou desmascarada e seu futuro está agora em dúvida.
No entretempo, o comentarista
mais famoso do mais prestigioso
jornal liberal norte-americano,
Thomas Friedman, do "New York
Times", descobriu algo que não
era novo. Em tempos de guerra,
um país qualquer pode se aliar a
um lado, ao lado oposto ou procurar o difícil equilíbrio da neutralidade. Manter a neutralidade
implica, entre outras coisas, afastar-se o máximo possível do conflito e ficar quieto. Ao dizer que a
França (e, por extensão, o proto-império continental) nem se aliou
aos EUA, nem ficou neutra,
Friedman confirmou o que já sabiam os milhões de turistas norte-americanos que, neste verão, preferiram passar suas férias em outros lugares.
Naturalmente, foi devido a esse
antagonismo que o secretário de
defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, encorajou a nova Europa
(formada pelos povos que viveram sob a tirania soviética) a desafiar a velha Europa franco-germânica. Não surpreende, portanto, que, enquanto esta, não tendo
conseguido resgatar o carrasco de
Bagdá, empenha-se atualmente
em salvar a pele do cacique do
"Arafatistão", três ex-líderes daquela (Árpád Göncz, da Hungria,
Vaclav Havel, da República Tcheca, e Lech Walesa, da Polônia, heróis reconhecidos da independência de seus respectivos países) publicaram um manifesto em que
pediam que o continente se unisse
na rejeição ao monarca stalinista
da "Castrolândia".
Tomados em conjunto, esses
eventos indicam que, abusando
da carta antiamericana, tanto
franceses e alemães como o grosso
da elite continental comprometeram a realização de um projeto
imperial cujo próximo passo, a
Constituição européia, provavelmente tropeçará como o euro na
Suécia.
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