São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Artista pretende ampliar a discussão em relação às questões ambientais de sua obra

Barney explora criação e destruição

Divulgação
Cena de "De Lama Lâmina", obra de Matthew Barney que estréia mundialmente amanhã, em SP


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas forças contraditórias são simbolizadas na figura do orixá Ogum. Foi ele, segundo reza o mito, quem descobriu a fundição do ferro, que serve para instrumentos da agricultura, portanto da criação, e também da guerra, a destruição. Dessa mistura surge uma faca de terra, que inspira o título de "De Lama Lâmina", o novo filme do artista norte-americano Matthew Barney, que tem estréia mundial amanhã, para 500 convidados, na Pinacoteca
"De Lama Lâmina" foi também o nome do trio elétrico criado por Barney que desfilou em Salvador, em fevereiro passado, junto com o bloco Cortejo Afro e o músico Arto Lindsay. O filme, realizado durante o trajeto real do trio, apresenta um trator que carrega uma árvore, situação na qual dois personagens constroem uma narrativa em meio à folia baiana. "Após "Cremaster", realizado em estúdio, eu queria realizar algo ao vivo, o Carnaval baiano foi a primeira oportunidade e uma experiência incrível", disse Barney, à Folha, por telefone, de Nova York. O artista chega amanhã a São Paulo, mas parte no dia seguinte para o Japão, onde inicia seu novo projeto.
Na árvore de "De Lama" está Júlia Butterfly Hill, personagem baseada na mulher homônima que, por dois anos, de 97 a 99, viveu em cima de uma árvore na Califórnia para protestar contra a devastação das florestas. Dentro do trator, está Greenman, um personagem híbrido, meio-homem, meio-planta, que se relaciona, sexualmente, com o eixo maquinal.
Esse é o ponto de partida para essa nova série de parábolas delirantes sobre os conflitos entre homem e máquina, natureza e técnica, criação e destruição, criadas por Barney, no filme que sucede o sucesso do ciclo de cinco filmes do "Cremaster", que também será exibido, na íntegra, em três sábados de outubro (2, 9 e 16), na Pinacoteca.
Leia a seguir a entrevista que Barney concedeu à Folha.
 

Folha - Você foi convidado a participar da Bienal de São Paulo, mas está mostrando seu novo filme na Pinacoteca. Por que isso ocorreu?
Matthew Barney - Essa situação se deu por conta de colaboradores que me ajudaram a produzir o trio elétrico na Bahia e para quem pareceu a opção mais natural. Quero continuar a trabalhar com eles. Havia também outra questão, a exposição do trator, que tentamos levar para a Bienal. Buscamos várias formas de viabilizar isso, mas acabou não sendo possível, o que tampouco irá acontecer na Pinacoteca [risos]. Mas estou muito feliz em mostrar o filme no país onde ele foi realizado.

Folha - A transformação da energia é uma questão recorrente em seu trabalho, e Carnaval é uma energia de massa. Como foi seu confronto com essa situação?
Barney -
O Carnaval é um sistema sinergético auto-organizado, que me interessa muito. Fiquei também muito impressionado com esse tipo de modelo que cria imagens incríveis, em lugares imprevisíveis, quando há muitos espaços entre os trios elétricos, por exemplo, ou da energia que sai dos grupos mais populares. É um organismo fantástico.

Folha - Seus filmes nunca tiveram um componente documental, como o que ocorre em "De Lama Lâmina". Como foi essa experiência?
Barney -
Acho que foi um fato incrível, após trabalhar tantos anos no ciclo "Cremaster", em estúdio. Ter que improvisar e capturar imagens em tempo real é uma situação muito diferente do que ocorre no "Cremaster". E provavelmente o resultado é magnetizado pela própria experiência do Carnaval, com milhares de pessoas, onde não há centro.

Folha - No começo do filme há uma citação do químico Ilya Prigogine, que recebeu o Nobel em 1977, e diz "o motor da evolução é a vontade". Ele é uma inspiração?
Barney -
Sim, essa foi uma das questões que deram início ao projeto. Ao mesmo tempo, me fez pensar na idéia de objetos inanimados terem vontade eles mesmos, o que leva a duas direções diferentes sobre a agressão ao ambiente. É como refletir não apenas sobre a intervenção do homem na natureza, mas o seu oposto.

Folha - "De Lama Lâmina" é otimista, não?
Barney -
Sim. Mas é preciso olhar para a dualidade de Ogum e sua relação com a natureza e aí vejo uma similaridade com a maneira que se deve olhar o "Cremaster" A idéia de que há forças criativas e destrutivas e de que um balanço não pode ser alcançado é algo que se vê tanto em "Cremaster" como em "De Lama Lâmina".

Folha - Seu próximo projeto, que está sendo realizado no Japão, será sobre a caça às baleias? É uma continuidade da questão ambiental, abordada em "De Lama Lâmina"?
Barney -
Acho que os dois projetos são mesmo muito similares, e terá também o mesmo tipo de esperança. O filme no Japão irá ocorrer dentro de uma situação política bastante crítica, que são as fábricas de barcos para caçar baleias, e de como um animal pré-histórico se transforma em um óleo gerador de energia.

Folha - O que o faz trabalhar com questões ambientais?
Barney -
Eu não busco criar peças com mensagens políticas explícitas, há uma discussão muito maior sobre a energia. No "De Lama", essa questão não é tão explícita quanto no "Cremaster". Mas, ao final, estou sempre tratando do gesto criativo, que no início é uma faísca, mas no final é exploração. Assim, não se trata de uma investigação sobre um modelo biológico ou psicológico, mas de um modelo geopolítico.


DE LAMA LÂMINA. Estréia mundial do novo filme do artista norte-americano Matthew Barney. Quando: amanhã, às 18h30, para convidados; exibições no dia 24, às 14h, 15h30 e 17h; dias 25 e 26, 11h e 14h, e outras 20 projeções até 28/10. Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, região central, tel. 0/xx/11/2299844). Quanto: R$ 4.


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