São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2005

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"Querida Helena" reflete a falta de ética

DA REPORTAGEM LOCAL

Aniversário da professora. Quatro alunos do último ano do ensino médio vão até a casa dela. Levam sorrisos, flores, taças de cristal e champanhe.
Não tardará, dirão realmente a que vieram, em meio às fatias de bolo que a professora de matemática lhes oferece, enternecida. Querem, a todo custo, notas máximas nas provas de exame final.
Essa tentativa de aliciamento em "Querida Helena", peça inédita por aqui da autora russa Ludmila Razumovskaia, coloca em xeque a mítica relação professor-aprendiz e calha com o mal-estar do Brasil contemporâneo atulhado em notícias de corrupção.
A montagem estréia amanhã no teatro Aliança Francesa, em São Paulo. O diretor Iacov Hillel conheceu a peça no ano passado, na França. Foi atraído pelo embate de nova e velha gerações em diálogos que associa ao talho de um Tchecov, um clássico da dramaturgia russa que não costuma adotar propriamente um protagonista em suas histórias.
Razumovskaia (1949) escreveu o texto em 1981, sob encomenda do Ministério da Cultura da extinta URSS. Dois anos depois, foi censurado por causa do tom realista que ofuscou o otimismo almejado pelo governo comunista.
Os estudantes, três rapazes e uma garota, são desmedidos em suas ambições. Imorais, esperam o futuro para ontem. Basta subornar a professora para abrir o cofre com as provas e pespegar a nota dez que precisam para ascender em suas vidas pequeno-burguesas. Um dos rapazes julga-se tão genial quanto um Dostoiévski, tal cérebro herdeiro de certa intelectualidade russa (interpretado por Alan Medina). Outro, filho de político, quer estudar relações internacionais (Theodoro Cochrane).
O terceiro, inclina-se para a poesia e padece da degenerescência familiar por causa do alcoolismo, a embriaguez russa (Cássio Inácio). Já a garota (Clarissa Kiste) tenta fugir do modelo da mãe, bibliotecária que trabalha como faxineira para comprar as roupas da filha. Na peça, a aluna faz contraponto ao discurso feminino da moral e bons costumes da professora Helena (Eliana Guttman).
"Ela tem a compreensão e ao mesmo tempo muita força para defender o que é correto, conforme tudo que lhe foi ensinado", diz Guttman, 51. "É um espetáculo que condiz com o que estamos vivendo politicamente no Brasil, a luta pela ética", diz Hillel, 56.
O próprio encenador conhece o ofício de professor: deu aula para o seu elenco na Escola de Artes Dramáticas da USP, com exceção de Inácio. A tradução de "Querida Helena", direta do russo, é assinada pela escritora Tatiana Belinky. José de Anchieta concebeu o cenário de tintas simbolistas para a casa na qual se passa o drama dividido em dois atos.
(VS)


Querida Helena
Quando:
estréia amanhã, às 21h30; sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 20h. Até 27/11
Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, centro, SP, tel. 0/xx/ 11/3129-5730)
Quanto: R$ 30


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