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CRÍTICA
Diretor encara facetas do país
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Há muitos defeitos em
"Ônibus 174", nenhum deles capaz de diminuir sua qualidade maior, que é a coragem de realizar uma investigação social profunda. O documentário escapa da
banalização de um fato ultra-explorado para se constituir como a
síntese necessária (ainda que longe de ser definitiva) de uma tragédia reveladora de facetas nada admiráveis do país.
O episódio precisava ser revisitado. O que aconteceu já se sabe:
um homem negro, que viajava armado num ônibus carioca, tomou passageiros como reféns
quando foi cercado pela polícia.
Durante cinco horas ameaçou os
passageiros. O desfecho foi terrível, como uma fratura exposta de
questões não resolvidas do Brasil:
morreu uma das reféns e morreu
o sequestrador. Todo o "evento"
foi transmitido ao vivo pela TV.
O documentário se reveza em
duas tarefas: reconstituir o episódio e contar a história do bandido,
Sandro do Nascimento. A grande
força de "Ônibus 174" está nessa
segunda tarefa. Ao mostrar quem
foi Sandro, exibindo um minucioso material de pesquisa, o diretor
José Padilha descarta a possibilidade do "fait divers" e encara de
frente a grande tragédia brasileira,
a vontade quase institucional que
há nesse país de eliminar a pobreza exterminando o pobre.
Sandro sobreviveu à chacina da
Candelária, mas, no fim das contas, não escapou de seu destino:
terminou assassinado, sufocado
por policiais no camburão que
deveria conduzi-lo à delegacia.
"Ônibus 174" não é tão feliz ao
recapitular o sequestro em si. Redundante ao entrevistar policiais
e até um bandido que não teve nada a ver com a história, o filme
não menciona, por exemplo, como a linha 174 é reveladora da
geografia carioca ao partir da favela da Rocinha, atravessar bairros de classe alta e média, para
chegar à Central do Brasil, estação
de trem que leva aos subúrbios.
O documentário também não
esclarece como começou o sequestro e, o mais grave, como acabou. O desfecho está explicado,
mas é tão absurdo que o espectador (sobretudo o estrangeiro) pode ficar sem elementos para compreendê-lo com exatidão.
Na recapitulação, no entanto,
permanece intocado o que é mais
impressionante: o grande teatro
montado pelo próprio Sandro
diante das câmeras de TV. Encurralado, o sequestrador se fez o demônio sobre a Terra. Urrava dizendo que seria capaz de matar e
que tinha sede de sangue, mas
mantinha outro discurso para
suas vítimas. Chegou até a encenar a morte de uma estudante.
Vários depoimentos ajudam a
compreender essa atitude.
Tudo isso faz de "Ônibus 174"
um dos melhores filmes sobre a
violência no Rio, ao lado do documentário sobre o tráfico "Notícias
de uma Guerra Particular", de
João Moreira Salles e Kátia Lund.
São dois panoramas complementares de um quadro único, interligado e histórico.
Ônibus 174
Direção: José Padilha
Produção: Brasil, 2002
Quando: hoje, às 22h10, no Espaço
Unibanco (r. Augusta, 1.475, SP, tel. 0/xx/
11/288-6780); dias 26, às 19h05, e 27, às
13h, no Cineclube DirecTV (r. Augusta,
2.530, tel. 0/ xx/11/3085-7684)
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