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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA
Faceta independente do novo cinema argentino revela-se em "La Cruz del Sur"
Uma encruzilhada no fim do mundo
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Bem agora que o público brasileiro já estava começando a se
acostumar com um cinema argentino urbano e emotivo, voltado às agruras das famílias de classe média portenha e de grande
potencial comercial, eis que surge
um filme que destoa e incomoda.
Com a estréia hoje na 27ª Mostra Internacional de Cinema de
"La Cruz del Sur", de Pablo Reyero, São Paulo experimentará a faceta mais independente -e menos afeita a fazer concessões- da
produção do país vizinho.
Dessa mesma estirpe, já foi exibido em rara apresentação por
aqui o claustrofóbico "La Ciénaga", de Lucrecia Martel, uma investigação sobre o torpor em que
a sociedade argentina se enterrou
em meio à falta de perspectivas.
Em "La Cruz del Sur", um trio
de marginais vive seus últimos
dias entre o desespero de realizar
seus últimos desejos e a certeza da
morte violenta que os aguarda.
Javier, Nora -um casal- e
Wendy -irmão travesti de Javier- roubam uma carga de pó
de um barco atracado num porto
isolado no sul da costa Argentina.
Enganados por quem receberia
a encomenda, saem em uma fuga
desesperada para se desfazer da
droga e conseguir por ela algum
dinheiro. Refugiam-se por uns
dias na casa dos pais dos dois irmãos, que vivem num balneário
abandonado, erigido pelos militares durante a ditadura e logo
abandonado pelos mesmos.
O pai de Javier e Wendy imagina que pode salvar o lugar e transformá-lo num lucrativo destino
turístico. A mãe duvida e crê que
esqueletos históricos enterrados
sob sua casa a amaldiçoam.
Javier acha que pode alcançar o
Paraguai e lá se tornar um bandido famoso. Nora quer ter um filho
que salve sua existência da aniquilação total. Busca também, na
longa estrada costeira, a cruz que
indica o lugar em que seu pai foi
enterrado nos anos 70. Já Wendy
quer superar a rejeição paterna.
Pouquíssimos diálogos deixam
lugar para os longos silêncios e o
incessante barulho das ondas do
mar e do vento. A natureza ameaçadora e sempre presente é um
aviso de morte para os três marginais. O road movie melancólico e
angustiante é o primeiro longa de
Reyero, que realizou antes dois
documentários, entre eles o premiado "Dársena Sur" (97).
"La Cruz del Sur" foi finalista do
último concurso de roteiros de
Sundance e recebeu o prêmio de
melhor diretor jovem no Festival
de Cannes, neste ano. É exibido
agora em São Paulo antes mesmo
de estrear na Argentina.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Reyero, 37,
deu à Folha, de Buenos Aires.
Folha - O que é a "cruz"?
Pablo Reyero - O interessante
dessa metáfora é que não se refere
a um sentido único, mas lança vários sentidos possíveis: a cruz de
viver no sul, a cruz de carregar um
passado sinistro de dezenas de
milhares de desaparecidos, a cruz
de cada drama pessoal, a constelação do Cruzeiro do Sul, que serve de guia aos marinheiros, a
morte entrelaçada com a vida
permanentemente. Mas prefiro
que cada espectador lhe dê seu
próprio significado.
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