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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA

Faceta independente do novo cinema argentino revela-se em "La Cruz del Sur"

Uma encruzilhada no fim do mundo

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Bem agora que o público brasileiro já estava começando a se acostumar com um cinema argentino urbano e emotivo, voltado às agruras das famílias de classe média portenha e de grande potencial comercial, eis que surge um filme que destoa e incomoda.
Com a estréia hoje na 27ª Mostra Internacional de Cinema de "La Cruz del Sur", de Pablo Reyero, São Paulo experimentará a faceta mais independente -e menos afeita a fazer concessões- da produção do país vizinho.
Dessa mesma estirpe, já foi exibido em rara apresentação por aqui o claustrofóbico "La Ciénaga", de Lucrecia Martel, uma investigação sobre o torpor em que a sociedade argentina se enterrou em meio à falta de perspectivas.
Em "La Cruz del Sur", um trio de marginais vive seus últimos dias entre o desespero de realizar seus últimos desejos e a certeza da morte violenta que os aguarda.
Javier, Nora -um casal- e Wendy -irmão travesti de Javier- roubam uma carga de pó de um barco atracado num porto isolado no sul da costa Argentina.
Enganados por quem receberia a encomenda, saem em uma fuga desesperada para se desfazer da droga e conseguir por ela algum dinheiro. Refugiam-se por uns dias na casa dos pais dos dois irmãos, que vivem num balneário abandonado, erigido pelos militares durante a ditadura e logo abandonado pelos mesmos.
O pai de Javier e Wendy imagina que pode salvar o lugar e transformá-lo num lucrativo destino turístico. A mãe duvida e crê que esqueletos históricos enterrados sob sua casa a amaldiçoam.
Javier acha que pode alcançar o Paraguai e lá se tornar um bandido famoso. Nora quer ter um filho que salve sua existência da aniquilação total. Busca também, na longa estrada costeira, a cruz que indica o lugar em que seu pai foi enterrado nos anos 70. Já Wendy quer superar a rejeição paterna.
Pouquíssimos diálogos deixam lugar para os longos silêncios e o incessante barulho das ondas do mar e do vento. A natureza ameaçadora e sempre presente é um aviso de morte para os três marginais. O road movie melancólico e angustiante é o primeiro longa de Reyero, que realizou antes dois documentários, entre eles o premiado "Dársena Sur" (97).
"La Cruz del Sur" foi finalista do último concurso de roteiros de Sundance e recebeu o prêmio de melhor diretor jovem no Festival de Cannes, neste ano. É exibido agora em São Paulo antes mesmo de estrear na Argentina.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Reyero, 37, deu à Folha, de Buenos Aires.
 

Folha - O que é a "cruz"?
Pablo Reyero -
O interessante dessa metáfora é que não se refere a um sentido único, mas lança vários sentidos possíveis: a cruz de viver no sul, a cruz de carregar um passado sinistro de dezenas de milhares de desaparecidos, a cruz de cada drama pessoal, a constelação do Cruzeiro do Sul, que serve de guia aos marinheiros, a morte entrelaçada com a vida permanentemente. Mas prefiro que cada espectador lhe dê seu próprio significado.


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