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Ambientado na turbulenta costa argentina, primeiro longa do diretor buscar refletir sobre a crise de valores de uma geração
Reyero disfarça tragédia de filme policial
Divulgação
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O personagem Javier (Luciano Suardi), em cena do filme "La Cruz del Sur", de Pablo Reyero, que estréia hoje na Mostra de SP |
DA REDAÇÃO
Para o diretor Pablo Reyero,
"La Cruz del Sur" disfarça-se de
violento filme policial, mas trata-se, na verdade, de uma tragédia
que busca refletir sobre a derrocada de um modo de pensar ao mesmo tempo em que dá vida a traumas deixados pelo passado militar argentino. Leia abaixo a continuação da entrevista com Reyero.
(SYLVIA COLOMBO)
Folha - Há uma sensação clara,
desde o princípio do filme, de que o
trio protagonista está marcado pelo infortúnio. A idéia de fatalidade
o preocupou desde o começo?
Pablo Reyero - "La Cruz del Sur"
é uma tragédia, e como toda tragédia não importa tanto o de-
senlace -que se pode intuir desde o começo-, mas as motivações e ações dos personagens que
se rebelam contra esse destino
trágico. Mas o filme é também um
cruzamento de gêneros, policial
noir, drama familiar, road movie.
Folha - O cinema argentino contemporâneo tem como característica tratar muito de temas urbanos. Seu filme destoa dessa tendência. Por quê?
Reyero - Minha família é da região onde fiz "La Cruz del Sur". O
filme me fez voltar a lugares da infância e me permitiu também realizar outro sonho, filmar junto ao
mar que acompanhou meu crescimento e que continua sendo para mim uma fonte inesgotável de
energia renovadora.
Desde 1992, quando comecei a
fazer documentários, sempre
abordei temas, conflitos e pessoas
marginais ao "sistema", ainda
que transcorressem em uma
grande cidade, como Buenos Aires. Desde então sentia que fazer
um filme que se passasse na costa
atlântica era algo que me faltava,
assim como trabalhar com atores
que habitassem aquela zona.
Folha - Todos os personagens se
encontram afastados da sociedade, num universo onde parece existir uma espécie de código moral
próprio. Você concorda?
Reyero - Creio que através dos
protagonistas o filme mostra um
cenário de crise total e de ruptura
de certos códigos de honra e solidariedade que as gerações anteriores respeitavam -ainda entre
os delinquentes- e que as novas
gerações não seguem.
É um "salve-se quem puder"
dentro de uma crise geral de valores que alcança a todos os estratos
da sociedade, algo que não apenas
acontece nos nossos países da
América do Sul, mas que considero ser um fenômeno mundial.
Folha - Sua maneira de filmar é
muito direta, ao mesmo tempo em
que segue a ação como se a tensão
da história contaminasse a própria
câmera. Como concebeu o filme?
Reyero - Fiz com que as manifestações da natureza transformassem os caráteres dos personagens,
tornando-os imprevisíveis e de
reações inesperadas. A câmera
devia estar em função do que se
passava nas situações em foco e
nas cabeças dos protagonistas.
Tratei de integrar a câmera como se fosse um personagem, movendo-se de acordo com o fluir de
energia e da lógica interna de cada
cena. Por isso no filme há aproximadamente 90% de câmera na
mão e muitos planos-sequência.
Folha - Em quem você se inspira?
Reyero - Tarkovsky, Herzog, Flaherty... Cada história leva implícita a maneira mais adequada de ser contada, só é preciso saber escutá-la e concretizá-la. Isso é o mais difícil, pois nos tornamos escravos das histórias que narramos.
Folha - Fala-se muito de um "novo cinema argentino", mas existem
diferenças entre o que fazem hoje
diretores como Campanella ou Piñeyro -um cinema mais comercial
e "europeu"- e pessoas como você e Lucrecia Martel. Há dois cinemas argentinos hoje?
Reyero - A partir de meados da
década de 90 foi se tornando evidente na Argentina a existência
desses dois modelos de produção:
um "mainstream" e outro mais
independente. Creio que é fundamental superar a antinomia entre
esses dois modelos mediante uma
política regulatória que fomente o
desenvolvimento de ambos, que
não deveriam ser opostos, mas
complementares.
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