São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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JORNALISMO/"CORRUPÇÃO À AMERICANA"

Imprensa na era Bush é questionada

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O título da edição brasileira do livro dos jornalistas americanos Amy e David Goodman, "Corrupção à Americana", passa a impressão, no clima atual deste país, de que se trata de um trabalho sobre práticas de suborno e tráfico de influência no Congresso e no Executivo dos EUA.
Não é disso que cuida o livro. O título original, "The Exception to the Rulers", descreve melhor o conteúdo do volume. A prática jornalística dos autores nos veículos de mídia que os abrigam constitui uma "exceção aos donos do poder" em Washington.
E é disso que basicamente se ocupa o livro: descrever inúmeros exemplos de situações recentes em que os grandes jornais, revistas e emissoras de rádio e TV americanas se alinharam acriticamente às decisões políticas do governo Bush e como Democracy Now e Pacifica Radio e seus retransmissores destoam desse consenso tácito nacional da imprensa nos EUA.
Os Goodman são exceções à regra. Recebem elogios de Michael Moore, outra exceção, mas o trabalho deles é bem mais sólido e bem menos panfletário do que o do cineasta que se tornou ícone do dissenso na era W. Bush.
Não que eles não escorreguem freqüentemente em arroubos retóricos. Por exemplo, tentam desmentir pesquisas de opinião veiculadas após 11 de setembro de 2001, nas quais se revelava que 90% dos americanos eram a favor da guerra com o argumento de que "não conheço ninguém que tenha sido chamado e questionado alguma vez".
Conhecer uma das mil e poucas pessoas ouvidas por uma pesquisa de opinião pública entre mais de 200 milhões possíveis entrevistados é quase tão difícil quanto ganhar na loteria. E só pode duvidar da correção das conclusões daquelas enquetes quem for muito ignorante do que é a sociedade americana ou quem estiver ideologicamente cego.
Mas esses exageros são bem menos freqüentes em "Corrupção à Americana" do que em qualquer dos libelos assinados por Michael Moore. Em geral, os Goodman apresentam fatos e fontes para corroborar suas afirmações.
Não que elas constituam revelações extraordinárias. Quase todas são muitíssimo conhecidas: os EUA financiaram Osama bin Laden e Saddam Hussein no passado, as empresas que contribuíram muito com as campanhas de Bush ganharam a maior parte dos contratos de reconstrução do Iraque etc. etc. Essas histórias não se disseminaram muito nos EUA; mas na Europa e na América Latina são mais do que sabidas.
Há algumas lembranças curiosas. Como a do papel lastimável que Judith Miller, atualmente tida como heroína da liberdade de imprensa, cometeu durante a fase de preparação da Guerra do Iraque ao assumir informações que lhe foram passadas por fontes do governo, que preferiram permanecer anônimas, e que serviram a Bush, Rumsfeld e Powell para justificar a invasão, embora depois se comprovassem mentirosas.
Falta ao livro coerência interna; temas dispersos se sucedem sem lógica aparente; pula-se do Iraque para Timor Leste e volta-se ao Iraque sem nenhuma razão.
Mas para quem acha que os EUA são uma sociedade anódina, "Corrupção à Americana" mostra que, embora pequena (pelo menos ainda), há oposição naquele país.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

Corrupção à Americana
  
Autor: Amy Goodman e David Goodman
Tradução: Tatiana Salem Levy
Editora: Bertrand
Quanto: R$ 39 (308 págs.)


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