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JORNALISMO/"CORRUPÇÃO À AMERICANA"
Imprensa na era Bush é questionada
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O título da edição brasileira
do livro dos jornalistas americanos Amy e David Goodman,
"Corrupção à Americana", passa
a impressão, no clima atual deste
país, de que se trata de um trabalho sobre práticas de suborno e
tráfico de influência no Congresso e no Executivo dos EUA.
Não é disso que cuida o livro. O
título original, "The Exception to
the Rulers", descreve melhor o
conteúdo do volume. A prática
jornalística dos autores nos veículos de mídia que os abrigam constitui uma "exceção aos donos do
poder" em Washington.
E é disso que basicamente se
ocupa o livro: descrever inúmeros
exemplos de situações recentes
em que os grandes jornais, revistas e emissoras de rádio e TV
americanas se alinharam acriticamente às decisões políticas do governo Bush e como Democracy
Now e Pacifica Radio e seus retransmissores destoam desse
consenso tácito nacional da imprensa nos EUA.
Os Goodman são exceções à regra. Recebem elogios de Michael
Moore, outra exceção, mas o trabalho deles é bem mais sólido e
bem menos panfletário do que o
do cineasta que se tornou ícone
do dissenso na era W. Bush.
Não que eles não escorreguem
freqüentemente em arroubos retóricos. Por exemplo, tentam desmentir pesquisas de opinião veiculadas após 11 de setembro de
2001, nas quais se revelava que
90% dos americanos eram a favor
da guerra com o argumento de
que "não conheço ninguém que
tenha sido chamado e questionado alguma vez".
Conhecer uma das mil e poucas
pessoas ouvidas por uma pesquisa de opinião pública entre mais
de 200 milhões possíveis entrevistados é quase tão difícil quanto
ganhar na loteria. E só pode duvidar da correção das conclusões
daquelas enquetes quem for muito ignorante do que é a sociedade
americana ou quem estiver ideologicamente cego.
Mas esses exageros são bem menos freqüentes em "Corrupção à
Americana" do que em qualquer
dos libelos assinados por Michael
Moore. Em geral, os Goodman
apresentam fatos e fontes para
corroborar suas afirmações.
Não que elas constituam revelações extraordinárias. Quase todas
são muitíssimo conhecidas: os
EUA financiaram Osama bin Laden e Saddam Hussein no passado, as empresas que contribuíram
muito com as campanhas de Bush
ganharam a maior parte dos contratos de reconstrução do Iraque
etc. etc. Essas histórias não se disseminaram muito nos EUA; mas
na Europa e na América Latina
são mais do que sabidas.
Há algumas lembranças curiosas. Como a do papel lastimável
que Judith Miller, atualmente tida
como heroína da liberdade de imprensa, cometeu durante a fase de
preparação da Guerra do Iraque
ao assumir informações que lhe
foram passadas por fontes do governo, que preferiram permanecer anônimas, e que serviram a
Bush, Rumsfeld e Powell para justificar a invasão, embora depois se
comprovassem mentirosas.
Falta ao livro coerência interna;
temas dispersos se sucedem sem
lógica aparente; pula-se do Iraque
para Timor Leste e volta-se ao Iraque sem nenhuma razão.
Mas para quem acha que os
EUA são uma sociedade anódina,
"Corrupção à Americana" mostra
que, embora pequena (pelo menos ainda), há oposição naquele
país.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
Corrupção à Americana
Autor: Amy Goodman e David Goodman
Tradução: Tatiana Salem Levy
Editora: Bertrand
Quanto: R$ 39 (308 págs.)
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