São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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ROMANCE/"PACIENTE 67"

Em novo policial, Dennis Lehane testa os limites da sanidade

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

"Na sua opinião, xerife, quanto de violência um homem pode suportar antes de sucumbir?" A pergunta surge no meio da página 183 e nela está a chave de "Paciente 67", thriller psicológico de Dennis Lehane recém-lançado no Brasil. Estamos em 1954, o xerife em questão é Edward Daniels, Teddy, e a ele cabe a missão de investigar o sumiço de Rachel Solando, paciente do presídio-manicômio Ashecliffe, em uma ilha perto de Boston.
Ashecliffe, logo descobrimos, confina esses homens que sucumbiram, pacientes altamente perigosos, ali presos por terem cometido crimes brutais após enlouquecerem. E Teddy é um homem atormentado por colossais enxaquecas e perseguido por lembranças sangrentas da Segunda Guerra e da morte da mulher, assassinada em um incêndio criminoso.
É esse homem que encontra na ilha um quebra-cabeças típico de romances de mistério. Rachel escapou sem ser vista e espalhou charadas como pistas.
Os médicos pouco cooperam, reforçando a suspeita de Teddy que Ashecliffe usa detentos como cobaias -cirurgias cerebrais, drogas ilegais e choques elétricos seriam ferramentas radicais para curar os pacientes- e que Rachel foi morta numa dessas ações.
Ao passo que Teddy monta o quebra-cabeças, a obra ganha em complexidade, pois percebemos que algo não se encaixa -é quando a fronteira entre sanidade e loucura aos poucos se esvai.
Ao descrever as enxaquecas de seu protagonista, por exemplo, Lehane flerta com imagens alucinógenas ("Dedos com unhas afiadas dilaceravam o lado esquerdo do seu crânio, para em seguida lhe enfiar um punhado de percevejos."), roçando tal fronteira.
Escrito em 2003, "Paciente 67" é o romance posterior a "Sobre Meninos e Lobos", que deu fama a Lehane graças à adaptação ao cinema por Clint Eastwood -o novo livro também virará filme.
Na comparação entre os dois, a obra mais recente sai prejudicada. "Sobre Meninos e Lobos" é um denso retrato da classe média americana e de seus subextratos, ricamente construído na observação dos subúrbios de Boston. E uma análise das mudanças a que está sujeito o homem na passagem da infância à idade adulta. Dentro de ótima trama policial.
"Paciente 67" tem ambições mais modestas. Ainda assim, a narrativa de Lehane, na tradição do romance policial americano, é ágil, fluente e cativante. Seu único defeito é dar pistas demais, algo letal para uma trama de mistério.


Paciente 67
   
Autor: Dennis Lehane
Tradução: Luciano Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42 (344 págs.)


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