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ROMANCE/"PACIENTE 67"
Em novo policial, Dennis Lehane testa os limites da sanidade
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
"Na sua opinião, xerife,
quanto de violência um
homem pode suportar antes de
sucumbir?" A pergunta surge no
meio da página 183 e nela está a
chave de "Paciente 67", thriller
psicológico de Dennis Lehane recém-lançado no Brasil. Estamos
em 1954, o xerife em questão é Edward Daniels, Teddy, e a ele cabe a
missão de investigar o sumiço de
Rachel Solando, paciente do presídio-manicômio Ashecliffe, em
uma ilha perto de Boston.
Ashecliffe, logo descobrimos,
confina esses homens que sucumbiram, pacientes altamente perigosos, ali presos por terem cometido crimes brutais após enlouquecerem. E Teddy é um homem
atormentado por colossais enxaquecas e perseguido por lembranças sangrentas da Segunda Guerra e da morte da mulher, assassinada em um incêndio criminoso.
É esse homem que encontra na
ilha um quebra-cabeças típico de
romances de mistério. Rachel escapou sem ser vista e espalhou
charadas como pistas.
Os médicos pouco cooperam,
reforçando a suspeita de Teddy
que Ashecliffe usa detentos como
cobaias -cirurgias cerebrais,
drogas ilegais e choques elétricos
seriam ferramentas radicais para
curar os pacientes- e que Rachel
foi morta numa dessas ações.
Ao passo que Teddy monta o
quebra-cabeças, a obra ganha em
complexidade, pois percebemos
que algo não se encaixa -é quando a fronteira entre sanidade e
loucura aos poucos se esvai.
Ao descrever as enxaquecas de
seu protagonista, por exemplo,
Lehane flerta com imagens alucinógenas ("Dedos com unhas afiadas dilaceravam o lado esquerdo
do seu crânio, para em seguida lhe
enfiar um punhado de percevejos."), roçando tal fronteira.
Escrito em 2003, "Paciente 67" é
o romance posterior a "Sobre Meninos e Lobos", que deu fama a
Lehane graças à adaptação ao cinema por Clint Eastwood -o novo livro também virará filme.
Na comparação entre os dois, a
obra mais recente sai prejudicada.
"Sobre Meninos e Lobos" é um
denso retrato da classe média
americana e de seus subextratos,
ricamente construído na observação dos subúrbios de Boston. E
uma análise das mudanças a que
está sujeito o homem na passagem da infância à idade adulta.
Dentro de ótima trama policial.
"Paciente 67" tem ambições
mais modestas. Ainda assim, a
narrativa de Lehane, na tradição
do romance policial americano, é
ágil, fluente e cativante. Seu único
defeito é dar pistas demais, algo
letal para uma trama de mistério.
Paciente 67
Autor: Dennis Lehane
Tradução: Luciano Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42 (344 págs.)
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