São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

Diretor de "A Eternidade e um Dia" mostra visão nada turística do país mediterrâneo ao construir um drama histórico

Angelopoulos exibe Grécia crepuscular

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de conquistar admiradores e detratores pelo mundo afora com a fantasia um tanto aparatosa de filmes como "Paisagem na Neblina" (1988), "O Olhar de Ulisses" (1995) e "A Eternidade e um Dia" (vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1998), o grego Theo Angelopoulos volta à Mostra de São Paulo com um melodrama histórico, "Trilogy: The Weeping Meadow", de 2003.
O longa poderia ser descrito como uma espécie de "1900" grego, em que a conturbada história do país na primeira metade do século 20 é narrada da perspectiva de uma família de gregos fugidos de Odessa, na Ucrânia, depois da Revolução Russa e instalados em Tessalônica, na Grécia.
Em lugar do esplendor solar de Bertolucci, porém, trata-se aqui de um drama sombrio, crepuscular, ambientado em paisagens devastadas e povoado de seres sem esperança.
Eleni, menina cujos pais foram mortos pelo Exército Vermelho, é adotada por uma família de gregos que retornam à sua terra. O chefe da família, Spyros, ao ficar viúvo, casa-se com a garota, agora adolescente, mas esta foge com o irmão de criação, Alexis, com quem tem dois filhos.
O drama se concentra então no jovem casal, que foge da perseguição do pai/noivo traído, ao mesmo tempo em que vê o país afundar no desemprego, na miséria, no fascismo e, finalmente, na guerra.
Alexis, exímio acordeonista, junta-se a um grupo de músicos mambembes que busca resistir com sua arte aos tempos difíceis, o que permite a Angelopoulos colocar em prática o seu lirismo algo felliniano, que consiste na busca da beleza entre os escombros e a desolação.

Água e fogo
Em alguns momentos essa busca é feliz, como no funeral fluvial do pai de Alexis, com um punhado de canoas iluminadas e seus reflexos na água escura, ou na cena da inundação da cidade, transformada num rascunho involuntário de Veneza.
Por vezes, porém, o artificialismo sufoca a poesia, como na seqüência em que os músicos surgem tocando, um a um, entre lençóis estendidos ao vento.
A despeito desses deslizes -pouco numerosos, em comparação com outras obras do diretor-, o filme é de uma beleza inegável, com sua imagem predominantemente noturna e sem cor, em que a água, sob todas as suas formas, exerce uma função central. Nesse mundo cinzento e úmido, o fogo, quando aparece, vê realçado o seu papel de fonte de luz e calor.
A exposição do espaço e dos personagens, geralmente em longos planos quase fixos, faz lembrar as gravuras belas e terríveis de Kate Kollwitz e outros artistas do período entre-guerras.
A visão da Grécia que o filme nos comunica é a mais distante possível do paraíso mediterrâneo a que o cinema e o turismo nos habituaram: é uma terra inóspita e lúgubre de onde os moradores querem fugir a todo custo, se possível para a América.


Trilogia - O Vale dos Lamentos
   
Direção: Theo Angelopoulos
Quando: hoje, às 15h, no Frei Caneca Unibanco Arteplex; amanhã, às 19h20, no Cinesesc; e dias 24, às 15h, na Faap; e 27, às 17h20, no Reserva Cultural


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