São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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Crítica/"A Morte"

Filme "pasoliniano" marcou estréia de Bertolucci na direção

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Os dicionários de cinema inserem "A Morte" (1962) no verbete dedicado ao italiano Bernardo Bertolucci, como o primeiro longa-metragem dirigido pelo cineasta, mas talvez devessem localizá-lo no tempo entre dois filmes, "Accattone - Desajuste Social" (1961) e "Mamma Roma" (1962), em outro verbete, o do cineasta Pier Paolo Pasolini (1922-75).
É mais "pasoliniana" do que "bertolucciana" essa estréia quase acidental, como diretor e roteirista, de um jovem (então com 21 anos) que havia publicado pouco antes seu primeiro livro de poesias, e que trabalhara como assistente de Pasolini em "Accattone".
Foi o produtor Tonino Cervi quem encomendou a Bertolucci e ao roteirista Sergio Citti (que também havia colaborado em "Accattone" e depois escreveria "Saló - Os 120 Dias de Sodoma") um roteiro "pasoliniano" a partir de um argumento do próprio Pasolini, a essa altura já envolvido com a filmagem de "Mamma Roma".
A dupla cumpriu a tarefa com o zelo respeitoso dos discípulos. Citti, ao notar que a adaptação trazia também algo de pessoal, convidou Bertolucci a dirigi-la. O jovem poeta nunca mais publicou poemas, enquanto o cineasta foi saudado como um grande talento que se confirmaria em seguida com "Antes da Revolução" (1964), já ambientado em Parma, sua cidade natal, e com elementos mais próximos de sua formação literária.
O cenário, como nos dois primeiros longas de Pasolini, é a periferia de Roma e seus personagens, vistos com alguma ternura e esperança. Na abertura, o corpo de uma prostituta é encontrado à beira do rio Tibre. Quem poderia ter matado, com violência e não para assaltar, essa pobre "dália negra"?
A investigação do assassinato pela polícia conduz a meia dúzia de suspeitos, cujos relatos reconstituem o dia do crime e seu andamento cotidiano para um batedor de carteiras, um boa-vida mulherengo que vive às custas da namorada e da sogra, um soldado solitário que perambula pela cidade atrás de moças, um grupo de jovens e outros personagens.
Bertolucci trata com poesia a chuva que cai para todos, mas que, embora traga a mesma água, altera a rotina de cada um de maneira particular. A prostituta também é lembrada nos momentos que antecedem a noite do crime, como se a câmera, agora desvinculada dos relatos, buscasse pistas que anunciassem a tragédia.
O crime só é solucionado com a sobreposição dos depoimentos e a resolução das contradições. Estará certo quem se lembrar da estrutura episódica e detetivesca de "Rashomon" (1950): o próprio Bertolucci, na entrevista incluída entre os extras do DVD, admite a semelhança. E observa também que, curiosamente, à época não conhecia o clássico de Akira Kurosawa. O poeta ainda não era cinéfilo.


A MORTE   
Direção:
Bernardo Bertolucci
Distribuição: Versátil
Quanto: R$ 37


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