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Mangueira e ABL se reúnem para discutir o samba
Em mesa-redonda proposta pela Folha, imortais e baluartes da verde-e-rosa fazem análise do gênero da cultura popular
Acadêmicos retribuíram
visita feita por sambistas
durante pesquisa sobre a
língua portuguesa, tema do
enredo da escola para 2007
RAQUEL COZER
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Quando sambistas da Mangueira resolveram esquadrinhar as origens da língua portuguesa, tema de seu enredo
para 2007, foram parar na Academia Brasileira de Letras. No
início deste mês, por sugestão
da Folha, os imortais fizeram o
caminho inverso: subiram à
quadra da Estação Primeira e
conversaram com os baluartes
sobre samba e cultura popular.
Em tempo: baluartes são os
"imortais" da Mangueira -em
1998, a escola estipulou 22 cadeiras para os principais nomes de sua velha-guarda. "É a
academia mangueirense de
samba", arrisca Raymundo de
Castro, 76. É ele quem recebe,
junto com os sambistas Nelson
Sargento, 82, e Ed Miranda, 89,
a turma de acadêmicos: o cineasta Nelson Pereira dos Santos, 78, o poeta Ivan Junqueira,
71, o escritor Domício Proença
Filho, 70, e o presidente da
ABL, Marcos Vilaça, 67.
A conversa acontece no terceiro andar da quadra, no centro de memórias, em meio a registros históricos -um sax de
Pixinguinha, fotos de Cartola e
Dona Zica. O som ininterrupto
de percussão denuncia que, lá
embaixo, a bateria esquenta
para a escolha dos sambas finalistas para o ano que vem.
Quem levanta a questão inicial é Nelson Sargento. "O compositor do morro é poeta? Estou pesquisando [ele prepara
uma coletânea de versos de
samba]. O Candeia compôs:
"Deus criou a beleza da mulher,
vem o tempo e destrói a obra
do criador". É poesia, não é?"
Sim, claro, assentem todos.
"A poesia independe da formação literária, já que traduz o
universo de cada um", avalia
Proença, prestes a revelar uma
insuspeita intimidade com o
gênero. "A melhor definição se
dá nos versos: "Em Mangueira a
poesia/ Num sobe-desce constante/ Anda descalça ensinando/ Um modo novo da gente viver'", diz, recitando "Sei Lá,
Magueira" -ode que causou
ciumeira na Portela ao ser musicada por Paulinho da Viola.
"Quando o compositor não é
intelectual", pondera Sargento,
"ele recebe algo que se chama
inspiração. Por exemplo, fiz esses versinhos: "Nosso amor é
tão bonito/ Ela finge que me
ama/ E eu finjo que acredito".
Se você manda um sambista
dissecar essa letra, ele não sabe. Mas sabe fazer."
Sargento explica que não
conta sílabas ao criar suas estrofes. Em seguida, propõe:
"Deveria existir nas universidades a cadeira de samba".
Proença acha graça: "Você está
defendendo que samba se
aprenda na escola?". A elucidação vem em tom professoral:
"Não seria para ensinar a fazer
samba. Ajudaria a entendê-lo."
E o que o samba levou ao
mundo acadêmico? "Levou até
inspiração para Darcy Ribeiro
propor a Niemeyer a criação do
Sambódromo", pensa Vilaça,
prático. Junqueira, poético,
completa: "Levou sobretudo à
compreensão da vida carioca.
Há uma oferenda da escola de
samba que está no topo de todos os serviços que ela presta: o
que é o desfile no Sambódromo
senão a ópera que o povo não
tem como ver no Municipal?".
Samba na ABL?
Então, todos concordam que
sambistas são poetas. Teriam
lugar na academia? "Claro. A
academia é múltipla", diz Vilaça. E por que não têm? "Não
houve candidatura." Que tal
Sargento? "Opa! Não há vagas!
Vamos bater na madeira", graceja o presidente, recorrendo
ao chiste comum entre os imortais de que vivem com candidatos a vagas aguardando pelo fim
de suas imortalidades. Do samba, "o mais próximo" a ser cotado, explica Vilaça, foi Chico
Buarque. Que declinou.
Findo o bate-papo, os imortais descem à quadra. Nelson
Pereira dos Santos, que teve "a
honra de conhecer os morros
do Rio pelas mãos de Zé Kéti"
(para as filmagens de "Rio 40
Graus"), prefere espiar tudo do
camarote. Junqueira e Proença
arriscam um samba no pé.
Sargento, que cursou só o "ginasial de sua época", ouve uma
última pergunta da reportagem: gostaria de ser imortal?
Autor de um livro de poesias e
de uma biografia de Geraldo
Pereira, pára e pensa: "Olha,
imortal... Todo mundo é. Quando vamos embora, vivemos na
memória de quem nos conhece.
Isso é imortalidade", conclui. E
sai em busca de uma cerveja.
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