São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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"Novela da Globo lança vírus ideológico"

Dono da Band, João Carlos Saad alfineta a concorrente e explica por que decidiu voltar a investir em teledramaturgia

"Paixões Proibidas", uma produção de época com Felipe Camargo, vai ao ar às 22h, na Bandeirantes, a partir do próximo mês

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois da Record, agora é a Band que corre atrás da Globo e tenta emplacar como produtora -e exportadora- de novelas. "Paixões Proibidas" estréia no próximo mês, com Felipe Camargo, Graziella Moretto e alguns outros poucos globais.
De época, é co-produzida pela RTP, emissora pública de Portugal, e deverá ser veiculada simultaneamente nos dois países. Por isso, o elenco traz astros da TV portuguesa.
A história é baseada em três romances do escritor português Camilo Castelo Branco (1825-1890), com roteiro de Aimar Labaki e direção de Ignácio Coqueiro, que já atuaram na teledramaturgia da Globo.
Dono da Band, João Carlos Saad fala à Folha sobre o investimento em teledramaturgia e alfineta a Globo com uma tese inusitada: a de que suas novelas disseminam internacionalmente "determinados vírus ideológicos". A Globo não quis comentar. A seguir, Saad explica essa e outras teorias.  

FOLHA - Por que fazer novela?
JOÃO CARLOS SAAD
- Por acreditar que é um gênero importante na cultura latina. Uma emissora latina tem de ter novela.

FOLHA - Além da dificuldade financeira, um outro motivo levou a Band a abandonar novelas por anos?
SAAD
- A parada não foi só na produção de novela, mas em tudo. Não há programação que resista à quantidade de esportes que exibíamos. Transmitíamos todos os eventos esportivos que comprávamos. Arrebentamos com a programação, não havia como acertá-la diante de tantas mudanças de horários dos jogos. Hoje, se tivéssemos regras corretas, detentores de direitos esportivos teriam de exibir o que compram. É injusto e incorreto comprar eventos esportivos e não exibir.

FOLHA - A parceria da Band com a RTP reflete a demanda por novelas locais e não "enlatadas" brasileiras. Por isso a Globo perdeu espaço?
SAAD
- A [rede portuguesa] TVI [concorrente da SIC, que exibe novelas da Globo] foi ao primeiro lugar em razão disso.

FOLHA - Em resposta a essa tendência, que parece mundial, a Globo montou um novo modelo de negócio, no qual tentará exportar não só a novela pronta, mas seu formato, para que seja produzida uma nova versão em cada país. O que acha?
SAAD
- Já ouvi de países vizinhos problemas com a novela brasileira, seja em razão do excesso de "tempero", seja de determinados vírus ideológicos.

FOLHA - Que vírus ideológico?
SAAD
- Vários. Pega o "Rei do Gado" [1996/97]. O que foi glamourizado? O que saiu do noticiário e entrou na dramaturgia? O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Lembra que o [senador petista Eduardo] Suplicy entrou na novela? Procure ver aonde foi a novela [a mais de 30 países, entre eles Cuba e Argentina]. Vi muito país dizer "Não quero". A TV aberta no mundo é muito conservadora. Só não é aqui [no Brasil], onde você vê muito tema com o qual se incomoda por estar com seu filho na sala. Se é menina, então, fica mais grilado. Mas com menino também.

FOLHA - Já foi publicado é que a novela da Band será "apimentada".
SAAD
- Tem que perguntar ao autor e ao diretor. O horário de exibição [22h] até permite.

FOLHA - As novelas da Globo, e agora isso chegou à Record, passaram a abrir um espaço para debater o preconceito em torno dos gays...
SAAD
- [interrompendo] Se olhar o tratamento dado ao tema lá fora, verá que o nosso é muito mais [procura a palavra]... liberal. "Escrava Isaura", que foi um baita sucesso mundial, é clássica e conservadora.

FOLHA - Por isso a Bandeirantes optou por uma novela de época?
SAAD
- A escolha foi em torno de um grande escritor. E novela de época não tem merchandising, mas é atemporal. É bom para exportação, reexibição.

FOLHA - Por que a Band, assim como a Record, é paulistana mas levou a produção da novela para o Rio?
SAAD
- O governo de SP ainda não sabe o que é essa indústria, não a olhou estrategicamente. O do Rio, que sabe a importância dessa indústria para geração de impostos, empregos, marketing, é bem mais ágil. A vantagem vai desde custo de estúdio até liberação de ruas para gravações, menos impostos.

FOLHA - Mudando de assunto, o que achou do debate da Band?
SAAD
- Como empresário de TV, fiquei feliz. Como brasileiro, triste e preocupado, porque muita gente não assistiu. Apesar de a audiência ter sido grande para nós, 70% dos brasileiros não viram. Há alienação.

FOLHA - Quem ganhou o debate?
SAAD
- A pesquisa dá essa resposta. Para as camadas mais humildes, o formato agressivo do Alckmin não funcionou.

FOLHA - O que achou de o "Jornal Nacional" (Globo) ignorar o debate?
SAAD
- Lamentável.

FOLHA - Por último: telejornais da Band fizeram reportagens sobre supostas irregularidades do SBT quando a TV Alphaville, de Silvio Santos, trocou a Bandnews pela Globonews. Isso não é submeter o jornalismo a interesses comerciais?
SAAD
- [pausa] Precisa voltar à época [1º semestre], se não embola tudo e confunde. São coisas separadas que podem estar próximas. Acho que não tem a ver, pode ter sido coincidência.

FOLHA - E, para você me expulsar [risos]: vai renovar contrato com o pastor RR Soares [que paga para ocupar o horário nobre da Band]?
SAAD
- Pensei: "ela arrasta uma asa por ele, não vai deixar de perguntar" [risos]. Não sei.


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