JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O crítico da Folha Inácio Araujo costuma dizer que André Téchiné (diretor de "Rosas Selvagens" e "Minha Estação Preferida", entre outros) é muito bom quando "tem assunto".
Em "As Testemunhas" Téchiné tem um assunto e tanto: os primeiros casos de Aids surgidos na França, no início dos anos 80, quando ninguém conhecia ainda direito a doença, então chamada de "peste gay".
A história gira em torno dos encontros e desencontros de um punhado de personagens. Manu (Johan Libéreau), de 20 anos, chega do interior a Paris e se instala no modesto apartamento de sua irmã Julie (Julie Depardieu), cantora lírica.
Sem estudo e sem trabalho, Manu não demora a se prostituir nos parques da cidade, indo para a cama geralmente com homens mais velhos. Um desses clientes, o médico Adrien (Michel Blanc), se apaixona por ele e o introduz num novo círculo de amigos.
Um desses novos conhecidos é Mehdi (Sami Bouajila), policial do departamento de costumes e marido da escritora Sarah (Emmanuelle Béart). Por ironia, esse agente da repressão, que vive prendendo prostitutas em nome da moral, acaba seduzido também por Manu. Mais do que isso não se pode revelar. Basta dizer que Téchiné entrelaça com sua delicadeza habitual os vários dramas pessoais, tendo como pano de fundo o momento de perplexidade que a França e o mundo viviam diante da epidemia.
As informações desencontradas sobre as origens e formas de contágio da doença, as sucessivas frustrações de métodos terapêuticos, o pânico generalizado daqueles dias, tudo isso é recriado de modo muito vivo, com fartura de imagens documentais.
Mas Téchiné não é sociólogo e nem repórter. Seu foco está no indivíduo e em seus dilemas mais dolorosos em face da pressão do desejo e dos freios da consciência. Sua proeza aqui foi a de se esquivar do melodrama e extrair uma poesia seca de um tema tão terrível.