São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007

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Lucro em excesso quebra a "espinha dorsal" da Broadway

Greve dos contra-regras paralisa cena teatral nova-iorquina, onde estão em cartaz "Mary Poppins" e "Jovem Frankenstein'; classe pede participação em lucros

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Esses caras aí de greve são a espinha dorsal da Broadway." No site da BBC, Patrick Page, protagonista de "Dr. Seuss" -How the Grinch Stole Christmas!", primeiro entre as dezenas de shows atingidos pela inédita greve do sindicato dos contra-regras, pôs o dedo na ferida. O show business, como qualquer negócio, já não aceita dar lucro apenas a produtores.
A tempestade já estava no ar há algum tempo: no fim do mês passado, a revista "Time Out" ostentava na capa um Frankenstein segurando gulosamente tíquetes supervalorizados. "Você pagaria US$ 450 por ele?", provocava a revista, que ouviu gente capaz de pagar caro por "Jovem Frankenstein", que é pouco mais que um "cover" do filme de Mel Brooks.
De fato, depois de satirizar a falta de escrúpulos dos produtores, Brooks atraiu a ira geral ao assumir cinicamente o mecanismo de caça-níquel que a Broadway exporta pelo mundo. Essa ambigüidade da paródia, de certa forma, atinge também o "Spamalot" de Eric Idle, que é essencialmente um cover do "Em Busca do Cálice Sagrado" de 1975. A guinada no roteiro se dá apenas quando os cavaleiros exigem de Artur um show da Broadway. A Dama do Lago salva todos ao revelar que já estão na Broadway: luzinhas de árvore de Natal se acendem no cenário, em uma auto-ironia sobre os efeitos especiais.
Mary Poppins é assim. Sem Julie Andrews nem Dick van Dyke, resta apenas uma gigantesca casa de bonecas que sobe e desce e crianças treinadas no palco que adormecem as da platéia. Para acordá-las, Ashley Brown faz vôo final democrático até os lugares mais baratos.
Assim, nada mais justo que a "espinha dorsal", os contra-regras que mantêm o espetáculo no ar, reivindique uma parte maior do lucro. Por outro lado, se é para ver gente voando, mais lógico é conferir o segundo espetáculo do De La Guardia, o fenômeno off-Broadway de Peter Pans argentinos. "Fuerza Bruta" é um belo exorcismo coletivo do 11 de Setembro e do Katrina, com os performers, no meio da platéia em pé, recebendo estruturas de papelão na cabeça e nadando em piscinas que descem do teto.
Mas onde fica a tradição do musical americano? Onde menos se espera: num jovem elenco. "Spring Awakening", adaptação do "Despertar da Primavera" de Frank Wedekind. A estrela é Lea Michele, que ingressou no projeto aos 14 anos. Seis workshops e oito anos depois, a montagem ganhou em 2007 oito Tonys, o Oscar da Broadway.
Qual o segredo desta renovação? Primeiro, os tabus sexuais de 1891 estão de volta com a política de abstinência de Bush -e são desafiados com uma sinceridade desarmante. Depois, a estética se manteve fiel à pobreza dos ensaios: é a história que conta. Ou seja, a Broadway voltou a fazer sentido.
Não que o sistema tenha se rompido. Testes para substituição do elenco original estão abertos no mundo todo, mas com um detalhe importante: buscam atores-cantores dançarinos de até 21 anos. Possivelmente, uma nova geração será descoberta assim, e esta primavera anuncia um verão inesquecível. Ou então, o último a sair apaga as luzes de Times Square -só restará o museu de cera de Madame Tussaud.


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