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Lucro em excesso quebra a "espinha dorsal" da Broadway
Greve dos contra-regras paralisa cena teatral nova-iorquina, onde estão em cartaz "Mary Poppins" e "Jovem Frankenstein'; classe pede participação em lucros
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Esses caras aí de greve são a
espinha dorsal da Broadway."
No site da BBC, Patrick Page,
protagonista de "Dr. Seuss" -How the Grinch Stole Christmas!", primeiro entre as dezenas de shows atingidos pela
inédita greve do sindicato dos
contra-regras, pôs o dedo na ferida. O show business, como
qualquer negócio, já não aceita
dar lucro apenas a produtores.
A tempestade já estava no ar
há algum tempo: no fim do mês
passado, a revista "Time Out"
ostentava na capa um Frankenstein segurando gulosamente tíquetes supervalorizados. "Você pagaria US$ 450 por
ele?", provocava a revista, que
ouviu gente capaz de pagar caro
por "Jovem Frankenstein", que
é pouco mais que um "cover"
do filme de Mel Brooks.
De fato, depois de satirizar a
falta de escrúpulos dos produtores, Brooks atraiu a ira geral
ao assumir cinicamente o mecanismo de caça-níquel que a
Broadway exporta pelo mundo.
Essa ambigüidade da paródia,
de certa forma, atinge também
o "Spamalot" de Eric Idle, que é
essencialmente um cover do
"Em Busca do Cálice Sagrado"
de 1975. A guinada no roteiro se
dá apenas quando os cavaleiros
exigem de Artur um show da
Broadway. A Dama do Lago salva todos ao revelar que já estão
na Broadway: luzinhas de árvore de Natal se acendem no cenário, em uma auto-ironia sobre os efeitos especiais.
Mary Poppins é assim. Sem
Julie Andrews nem Dick van
Dyke, resta apenas uma gigantesca casa de bonecas que sobe
e desce e crianças treinadas no
palco que adormecem as da
platéia. Para acordá-las, Ashley
Brown faz vôo final democrático até os lugares mais baratos.
Assim, nada mais justo que a
"espinha dorsal", os contra-regras que mantêm o espetáculo
no ar, reivindique uma parte
maior do lucro. Por outro lado,
se é para ver gente voando,
mais lógico é conferir o segundo espetáculo do De La Guardia, o fenômeno off-Broadway
de Peter Pans argentinos.
"Fuerza Bruta" é um belo exorcismo coletivo do 11 de Setembro e do Katrina, com os performers, no meio da platéia em
pé, recebendo estruturas de papelão na cabeça e nadando em
piscinas que descem do teto.
Mas onde fica a tradição do
musical americano? Onde menos se espera: num jovem elenco. "Spring Awakening", adaptação do "Despertar da Primavera" de Frank Wedekind. A estrela é Lea Michele, que ingressou no projeto aos 14 anos. Seis
workshops e oito anos depois, a
montagem ganhou em 2007 oito Tonys, o Oscar da Broadway.
Qual o segredo desta renovação? Primeiro, os tabus sexuais
de 1891 estão de volta com a política de abstinência de Bush
-e são desafiados com uma
sinceridade desarmante. Depois, a estética se manteve fiel à
pobreza dos ensaios: é a história que conta. Ou seja, a Broadway voltou a fazer sentido.
Não que o sistema tenha se
rompido. Testes para substituição do elenco original estão
abertos no mundo todo, mas
com um detalhe importante:
buscam atores-cantores dançarinos de até 21 anos. Possivelmente, uma nova geração será
descoberta assim, e esta primavera anuncia um verão inesquecível. Ou então, o último a
sair apaga as luzes de Times
Square -só restará o museu de
cera de Madame Tussaud.
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