|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EU NÃO GOSTEI BECK
Tolinho mascarado
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Beck está de volta, mais mascarado que nunca. A cornucópia
continua à solta em "Midnite Vultures", e o universo de referências
(caótico, como sempre) é até bem
fácil de decifrar desta vez. De mais
evidentes, aparecem algumas coisas que ele mói e mói e mói.
Um: Prince é a entidade mais
constante, e Beck, ingênuo, resolveu homenageá-lo para provar
que está festejando como se fosse
1999. É 1999, tolinho.
Prince está em "Get Real Paid",
num cruzamento descompensado entre "Kiss" (86) e a "Pocket
Calculator" (81) do Kraftwerk.
Beck quer cruzar preto e branco,
homem e máquina, emoção e razão. Prince está em "Peaches &
Cream" (até o nome é chupado,
da fase meio 1991 do cara, já meio
decadente). Prince está em
"Hollywood Freaks", já mais para
a fase rap, decadente em regra -e
é dos pontos altos do disco de
Beck, com poderoso refrão. Prince está em "Debra", como na mais
melada de suas baladas de falsete,
e em "Nicotine & Gravy", no vocal fino de fundo, bem Sheila E.
Dois: há mais anos 80 no cardápio. Miami bass -baile charm,
Claudinho & Buchecha, se você
quiser ("tucanófilo" que ele é, isso
é até possível)- é o outro contaminante de "Midnite Vultures".
Três: os 80 estão até no fundo à
"Hang on Saint Christopher"
(87), do sorumbático Tom Waits.
Quatro: mas o disco não é tão
oitentista quanto parece. A segunda referência mais constante,
depois de Prince, vem dos 70, dos
anos de glória do Roxy Music, de
"Virginia Plain" (72) e seus contornos. "Milk & Honey" usa bases muito, muito de lá. Ali ele
também explora a decadência, e
Tom Waits se mistura ao Bryan
Ferry de "Mamouna" (94) em
"Broken Trains", que bagunça.
De um Roxy Music à anos 80,espírito cafona-chique de Bryan
Ferry, surge "Nicotine & Gravy",
também injetada de um construtivismo meio Front 242.
Cinco: quer anos 60? Também
há. Nessa última citada, o Bryan
Ferry evocado é aquele que se esmerava em ser crooner, imitando,
com deferência, o cantor black
Wilson Pickett. Beck também
imita. "Sexx Laws", que abre o
disco, já o abre com sopros que
são puro "Land of 1.000 Dances"
(65), pedra de toque de Pickett.
Está fechado o ciclo black music
que Beck quer imprimir em
"Midnite Vultures". Enfeitar cultura negra com decadentismo é
pobre, ridicularizar o anjo caído
Prince é sórdido. Beck não está de
bom humor, parece.
Não está e extravasa o mau humor também para o terreno comportamental. "Descobre", em
"Sexx Laws", que quer "desafiar a
lógica de todas as leis sexuais".Você é talentoso e até consegue
nos divertir enquanto traz recombinação embalada em forma de
novidade para o mundo, mas vá
descobrir a pólvora noutra freguesia. Já há pólvora demais.
Avaliação:
Disco: Midnite Vultures
Artista: Beck
Lançamento: Geffen/Universal
Quanto: R$ 20, em média
Texto Anterior: Beck - Eu gostei: O sorriso sacana Próximo Texto: Rage Against The Machine: Revolta na prosperidade Índice
|