São Paulo, Quarta-feira, 22 de Dezembro de 1999


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EU NÃO GOSTEI BECK
Tolinho mascarado

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Beck está de volta, mais mascarado que nunca. A cornucópia continua à solta em "Midnite Vultures", e o universo de referências (caótico, como sempre) é até bem fácil de decifrar desta vez. De mais evidentes, aparecem algumas coisas que ele mói e mói e mói.
Um: Prince é a entidade mais constante, e Beck, ingênuo, resolveu homenageá-lo para provar que está festejando como se fosse 1999. É 1999, tolinho.
Prince está em "Get Real Paid", num cruzamento descompensado entre "Kiss" (86) e a "Pocket Calculator" (81) do Kraftwerk. Beck quer cruzar preto e branco, homem e máquina, emoção e razão. Prince está em "Peaches & Cream" (até o nome é chupado, da fase meio 1991 do cara, já meio decadente). Prince está em "Hollywood Freaks", já mais para a fase rap, decadente em regra -e é dos pontos altos do disco de Beck, com poderoso refrão. Prince está em "Debra", como na mais melada de suas baladas de falsete, e em "Nicotine & Gravy", no vocal fino de fundo, bem Sheila E.
Dois: há mais anos 80 no cardápio. Miami bass -baile charm, Claudinho & Buchecha, se você quiser ("tucanófilo" que ele é, isso é até possível)- é o outro contaminante de "Midnite Vultures".
Três: os 80 estão até no fundo à "Hang on Saint Christopher" (87), do sorumbático Tom Waits.
Quatro: mas o disco não é tão oitentista quanto parece. A segunda referência mais constante, depois de Prince, vem dos 70, dos anos de glória do Roxy Music, de "Virginia Plain" (72) e seus contornos. "Milk & Honey" usa bases muito, muito de lá. Ali ele também explora a decadência, e Tom Waits se mistura ao Bryan Ferry de "Mamouna" (94) em "Broken Trains", que bagunça.
De um Roxy Music à anos 80,espírito cafona-chique de Bryan Ferry, surge "Nicotine & Gravy", também injetada de um construtivismo meio Front 242.
Cinco: quer anos 60? Também há. Nessa última citada, o Bryan Ferry evocado é aquele que se esmerava em ser crooner, imitando, com deferência, o cantor black Wilson Pickett. Beck também imita. "Sexx Laws", que abre o disco, já o abre com sopros que são puro "Land of 1.000 Dances" (65), pedra de toque de Pickett.
Está fechado o ciclo black music que Beck quer imprimir em "Midnite Vultures". Enfeitar cultura negra com decadentismo é pobre, ridicularizar o anjo caído Prince é sórdido. Beck não está de bom humor, parece.
Não está e extravasa o mau humor também para o terreno comportamental. "Descobre", em "Sexx Laws", que quer "desafiar a lógica de todas as leis sexuais".Você é talentoso e até consegue nos divertir enquanto traz recombinação embalada em forma de novidade para o mundo, mas vá descobrir a pólvora noutra freguesia. Já há pólvora demais.


Avaliação:   


Disco: Midnite Vultures Artista: Beck Lançamento: Geffen/Universal Quanto: R$ 20, em média

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