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EU GOSTEI BECK
O sorriso sacana
Divulgação
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O cantor e compositor Beck, de Los Angeles, que lança o álbum "Midnite Vultures" |
MARCELO NEGROMONTE
da Redação
Ele continua
rindo de todo
mundo com
um meio sorriso, de escárnio,
de euforia, de
quem-fez-o-hino-da-década e
que se exercita indo a fundo em
gêneros díspares durante a mesma década -mas ele não era folk,
caipira e esquisito?. Beck está três
andares acima do pop e acaba de
lançar o último ótimo álbum dos
anos 90. Ele faz questão de encerrá-la de seu jeito: como não se espera, "agressivo, experimental",
como disse à Folha há um ano,
com "Midnite Vultures".
Black music, funk, hip hop. Ele
sacaneia, ironiza, olhando de cima, como um abutre da meia-noite, com o sorriso do gato de
"Alice no País das Maravilhas":
"Hey, é assim que penso que se
faz, mas não me importo, sou um
perdedor, baby, não se esqueça".
Mera questão de perspectiva.
A capa é quase redundante, talvez coerente. É virada dos 70/80:
neon, negões, Prince, purpurina,
disco, cores, folk, rap e muito
funk. Ácido lisérgico em polpa
imerso num mundo de decadências, destruições, horror, bizarrices -tudo sem conflito. Beck foge, se insere e, via essa inserção,
tripudia deste mundo imundo de
final de século. Não há refresco.
"Get Real Paid" move, chacoalha, entra pelos poros: "Nós gostamos dos garotos com coletes à
prova de bala/ Nós gostamos das
garotas com peitos de celofane
(...) Toque o meu ânus se for qualificado". Incesto, poder, dinheiro, sacanagem braba, Miami bass:
electro-sexual. Vai dos guetos para o absurdo sem escalas.
Símbolos gays há vários -da
capa às letras e músicas. E só as há
porque existem moralismo, regras cada vez mais rígidas, encarceramento e uniformização do indivíduo. Beck as revira. E as revira
novamente sem necessariamente
causar choque, mas risos. A graça
está em ser sublime e ridículo.
Os teares musicais estão lá todos. Em "Peaches & Cream", na
linda e festeira "Sexx Laws"
("quero desafiar a lógica de todas
as leis sexuais" -sim, ainda há
leis sociais veladas e pétreas para
sexo; arrombe-as, pode ser instrutivo), "Hollywood Freaks" (ele
próprio um deles por justamente
não sê-lo de modo trágico) e "Debra", música em que é evidente
uma ironia fina e um respeito a
Prince, Jagger -Beck aqui está à
larga. Misturar, é fato, não é novo,
mas fazê-lo com deboche inteligente sempre é.
"Mutations" e "Odelay" permeiam quase todo o disco; Beck
se destrói também. Há ainda desconstrução-colagem (ferramenta
básica de Beck) em "Milk & Honey". Colagem de idéias principalmente: "Atletas de Bancoc na
biosfera/ Sonhos molhados do
Arkansas/ Nós todos desaparecemos", diz sincopado.
"Midnite Vultures" espanta pelo estratagema cínico. Dance muito com ele, pense em nada sem ele
em 2000, faça sexo com ele à vontade -só porque você pode. Se
Beck não se leva a sério, quem há
de fazê-lo? Adeus, anos 90.
Avaliação:
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