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Última Moda
Alcino Leite Neto - ultima.moda@folha.com.br
Será o fim das supermagras?
Itália decide pedir atestados às tops que irão desfilar em Milão; fashionistas discutem se modelo de beleza está entrando em crise
Um dos principais centros
mundiais da moda, a Itália, resolveu entrar na luta contra a
anorexia e banir as modelos supermagras das passarelas de
Roma e de Milão.
O governo italiano e as duas
associações mais poderosas de
moda no país -a Câmara Nacional de Moda Italiana e a Alta
Roma- assinam hoje um termo de compromisso, na forma
de manifesto, em que anunciam a decisão de
controlar a presença de modelos menores de 16 anos e com
massa corporal inferior a 18,5 a
partir da próxima temporada,
em fevereiro de 2007.
A decisão é bombástica -e
vem se juntar às das semanas
de moda de Madri e São Paulo
(leia nesta pág.). Em Milão desfilam algumas das principais
grifes do planeta, como Armani, Prada e Roberto Cavalli. Para lá, convergem as modelos
mais famosas, inclusive brasileiras, que agora deverão exibir
atestados médicos com IMC
(Índice de Massa Corporal).
"Se a base de seleção for o
IMC, muitas tops do Brasil e de
outros países ficarão de fora",
diz Laura Vieira, booker da
agência Ten. Para Fernando
Herbert, booker da agência
Marilyn -que teve modelos recusadas na Espanha- "para
modificar o padrão das modelos seria necessário uma renovação radical da moda, inclusive das exigências dos clientes".
Será que esta mudança radical já começou? A empresária e
crítica de moda Costanza Pascolato acha que sim. Para ela,
está chegando ao fim a era das
"mulheres abstratas". "Foi um
período um tanto perverso em
que os estilistas optaram por
ultramagras, buscando transformar as mulheres em abstrações." Costanza aposta que os
estilistas irão agora atrás de
uma beleza "intermediária" entre a magra e a gostosa. "Porque
a gostosona é vulgar para a moda, e nunca será adotada como
modelo."
O estilista Jum Nakao também acredita que vivemos em
plena crise do padrão atual de
beleza na moda. "Estamos vendo o colapso dessa beleza muito
artificial, mais identificada
com o mundo das imagens do
que com a realidade. Creio que,
a partir de agora, haverá uma
aproximação cada vez maior
com a mulher real", diz.
O estilista Amir Slama tem
outra opinião. Ele pensa que a
mudança do padrão de beleza
não depende só da moda, mas
"de um desejo social maior".
Este é também o ponto de
vista da diretora do Fashion
Rio, Eloysa Simão, para quem a
anorexia tem razões sociais
bem mais complexas do que
apenas a moda. "A moda é um
reflexo da sociedade. Decisões
como a de Milão são salutares,
mas precisamos ir mais fundo
no problema. Seria preciso debater, por exemplo, a indústria
farmacêutica, que gasta milhões em propagandas de remédios para emagrecer", diz.
Bola de neve não atinge Paris
A semana de moda de Paris
não irá adotar nenhuma nova
restrição às modelos, afirmou à
Folha o presidente da Federação Francesa da Costura, Didier Grumbach. "As agências
de modelos são muito controladas na França, e 16 anos já é a
nossa idade limite. Os diretores
de casting e as agências estão
atentos e são suficientemente
responsáveis", disse.
Mas a bola de neve contra as
supermagras não deve parar.
Nos EUA, a estilista Diane von
Furstenberg está capitaneando
ações antianorexia, e o escritório da estilista chegou a pedir à
organização da São Paulo Fashion Week (SPFW) uma cópia
do documento em que o evento
brasileiro anunciou a sua decisão de exigir atestado de saúde.
Estrelas do showbiz também
têm se manifestado. "Uma empresa que divulga imagens vistas como modelos de beleza por
milhões de pessoas precisa ser
responsável pelo tipo de mensagem que está passando", disse a atriz Cameron Diaz.
A estilista Patricia Viera, que
desfila na SPFW, resolveu ir
mais fundo no controle imposto pelo evento. Ela vai exigir,
além do atestado médico, o
IMC das garotas. "Essa medida
é fundamental para ajudar a
proteger a saúde das modelos."
Para a psiquiatra Cibelle
Weinberg, co-autora do livro
"Do Altar às Passarelas - Da
Anorexia Santa à Anorexia
Nervosa", a decisão da SPFW
de pedir o atestado é útil, mas
desde que o médico seja muito
criterioso. "Exames simples
podem enganar", diz. Ela sugere que o atestado seja dado por
um psiquiatra capaz de diagnosticar anorexias nervosas.
O manifesto antianorexia
Leia abaixo o "Manifesto Nacional de Auto-regulamentação da Moda Italiana Contra a Anorexia", promovido e assinado pelo Ministério para as Políticas Juvenis e os Esportes, pela Câmara Nacional da Moda Italiana e a associação de moda Alta Roma
Tendo em vista que:
Os distúrbios alimentares
como anorexia e bulimia atingem em nosso país cerca de 3
milhões de pessoas. Trata-se
de indivíduos que sofrem de
um grave distúrbio psíquico,
um mal sub-reptício cujas
causas são obscuras e devem
ser buscadas nas intricadas
articulações da vida de cada
um. O problema é complexo e,
para ser enfrentado, demanda
a contribuição de especialistas tais como nutricionistas,
psiquiatras e psicoterapeutas.
Muitas das mulheres atingidas pelos distúrbios da alimentação são jovens que iniciaram dietas, freqüentemente buscando alcançar um ideal
de beleza próprio das modelos
das passarelas e das capas de
revista, a fim de perseguir um
modelo estético percebido como o único possível.
Portanto, estamos conscientes do fato de que os jovens podem ser condicionados por exemplos e estilos de
vida em que a magreza exagerada pode se tornar um modelo a ser imitado.
Consideramos que esse
componente cultural, estético
e midiático, como afirmam os
médicos especialistas, seja
apenas uma concausa externa
de um mal-estar clínico-psiquiátrico que tem suas raízes
na história individual das pessoas que sofrem de distúrbios
alimentares. Trata-se, no entanto, de uma concausa que
não pretendemos subestimar.
Tendo em vista que:
A partir de pesquisas científicas e de dados estatísticos
relativos à anorexia verificou-se que:
é possível morrer de anorexia e de bulimia (fonte ABA
- Associazone Italiana Bulimia Anoressia)
a anorexia é a primeira
causa mortis entre as doenças
psiquiátricas (fonte ABA)
cerca de 3% da população
apresenta problemas comprovados de anorexia-bulimia
(fonte ABA)
95% são mulheres (fonte
ABA)
como fator sócio-cultural,
os modelos estéticos da moda
que exaltam os "ícones da magreza" contribuem, ainda que
indireta e secundariamente,
para a deflagração de distúrbios alimentares (fontes ABA,
AED - Academy for Eating Disorders, Aidap - Associazione
Disturbi dell'Alimentazione e
del Peso)
a influência negativa dos
modelos estéticos "anoréxicos" atinge também a pré-adolescência: 60,4% das jovens italianas entre 12 e 14
anos de idade cultivam o desejo de magreza; 24% já se
submeteram a alguma dieta;
34% criaram a sua própria
dieta sem consultar um médico (fonte Società Italiana di
Pediatria)
segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), há
uma série de indicadores que
estabelecem o estado de saúde de um indivíduo, entre os
quais o Índice de Massa Corpórea (IMC); ainda de acordo
com a OMS, um IMC inferior
ao valor de 18,5 é um sinal de
alerta que indica claramente
um estado de "subpeso", devendo ser confrontado com
uma série de dados pelos
quais se possa estabelecer o
estado de saúde de um indivíduo.
Diante de tudo o que foi
exposto:
E considerando estas evidências científicas, plenamente conscientes da responsabilidades que temos, o governo italiano e em especial o
Ministério para as Políticas
Juvenis, a Câmara Nacional
da Moda Italiana e Alta Roma
pretendem transmitir criativa
e construtivamente modelos
estéticos positivos, como um
instrumento concreto de prevenção dos distúrbios alimentares.
Sendo assim:
1) Comprometemo-nos a revalorizar um modelo de beleza saudável, solar, generoso,
mediterrâneo, modelo que a
Itália historicamente contribuiu a difundir em nível internacional, porque acreditamos
que hoje ainda possa existir
uma proposta estética positiva para as mulheres do nosso
país e de todo o mundo.
2) Comprometemos-nos a
tutelar a saúde das modelos
que posam e desfilam em nossas passarelas, às quais solicitaremos um atestado médico
baseado numa avaliação que
evidencie e leve em conta os
critérios científicos e os diagnósticos em matéria de distúrbio alimentar (entre os
quais o IMC). Conseqüentemente nos comprometemos a
não deixar desfilar ou posar
modelos cujo atestado médico acuse um distúrbio alimentar comprovado.
3) Comprometemo-nos a não
deixar desfilar modelos em
idade inferior a 16 anos, porque consideramos que tais jovens ainda estão despreparadas para o mundo profissional
da moda e, por isso, podem
transmitir mensagens equivocadas a jovens da mesma
faixa etária, as quais atravessam a difícil fase da pré-adolescência.
4) Comprometemo-nos a
promover entre nossos associados e empresas do setor a
inserção generalizada dos manequins 46 e 48 nas coleções,
porque acreditamos que a
tentativa de elaborar um modelo estético mais exuberante
é importante não só do ponto
de vista cultural e moral, mas
também é produtivo de um
ponto de vista comercial.
5) Comprometemo-nos a
apoiar as instituições e associações médicas especializadas em promover campanhas
publicitárias que modifiquem
positivamente os modelos estéticos inspiradores da formação da identidade e dos comportamentos sociais.
6) Comprometemo-nos a
prever em nossos regulamentos internos medidas que possam garantir o respeito aos
princípios expressos neste
manifesto.
Conclamamos a adesão a
estes compromissos por parte
de todos os agentes da Moda,
desde estilistas a agências de
modelo, fotógrafos e make up
artists.
O presente manifesto é de
responsabilidade daqueles
que o subscrevem.
Tradução de Maurício Santana Dias
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