São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

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Última Moda

Alcino Leite Neto - ultima.moda@folha.com.br

Será o fim das supermagras?

Itália decide pedir atestados às tops que irão desfilar em Milão; fashionistas discutem se modelo de beleza está entrando em crise

Um dos principais centros mundiais da moda, a Itália, resolveu entrar na luta contra a anorexia e banir as modelos supermagras das passarelas de Roma e de Milão.
O governo italiano e as duas associações mais poderosas de moda no país -a Câmara Nacional de Moda Italiana e a Alta Roma- assinam hoje um termo de compromisso, na forma de manifesto, em que anunciam a decisão de controlar a presença de modelos menores de 16 anos e com massa corporal inferior a 18,5 a partir da próxima temporada, em fevereiro de 2007.
A decisão é bombástica -e vem se juntar às das semanas de moda de Madri e São Paulo (leia nesta pág.). Em Milão desfilam algumas das principais grifes do planeta, como Armani, Prada e Roberto Cavalli. Para lá, convergem as modelos mais famosas, inclusive brasileiras, que agora deverão exibir atestados médicos com IMC (Índice de Massa Corporal).
"Se a base de seleção for o IMC, muitas tops do Brasil e de outros países ficarão de fora", diz Laura Vieira, booker da agência Ten. Para Fernando Herbert, booker da agência Marilyn -que teve modelos recusadas na Espanha- "para modificar o padrão das modelos seria necessário uma renovação radical da moda, inclusive das exigências dos clientes".
Será que esta mudança radical já começou? A empresária e crítica de moda Costanza Pascolato acha que sim. Para ela, está chegando ao fim a era das "mulheres abstratas". "Foi um período um tanto perverso em que os estilistas optaram por ultramagras, buscando transformar as mulheres em abstrações." Costanza aposta que os estilistas irão agora atrás de uma beleza "intermediária" entre a magra e a gostosa. "Porque a gostosona é vulgar para a moda, e nunca será adotada como modelo."
O estilista Jum Nakao também acredita que vivemos em plena crise do padrão atual de beleza na moda. "Estamos vendo o colapso dessa beleza muito artificial, mais identificada com o mundo das imagens do que com a realidade. Creio que, a partir de agora, haverá uma aproximação cada vez maior com a mulher real", diz.
O estilista Amir Slama tem outra opinião. Ele pensa que a mudança do padrão de beleza não depende só da moda, mas "de um desejo social maior".
Este é também o ponto de vista da diretora do Fashion Rio, Eloysa Simão, para quem a anorexia tem razões sociais bem mais complexas do que apenas a moda. "A moda é um reflexo da sociedade. Decisões como a de Milão são salutares, mas precisamos ir mais fundo no problema. Seria preciso debater, por exemplo, a indústria farmacêutica, que gasta milhões em propagandas de remédios para emagrecer", diz.

Bola de neve não atinge Paris

A semana de moda de Paris não irá adotar nenhuma nova restrição às modelos, afirmou à Folha o presidente da Federação Francesa da Costura, Didier Grumbach. "As agências de modelos são muito controladas na França, e 16 anos já é a nossa idade limite. Os diretores de casting e as agências estão atentos e são suficientemente responsáveis", disse.
Mas a bola de neve contra as supermagras não deve parar. Nos EUA, a estilista Diane von Furstenberg está capitaneando ações antianorexia, e o escritório da estilista chegou a pedir à organização da São Paulo Fashion Week (SPFW) uma cópia do documento em que o evento brasileiro anunciou a sua decisão de exigir atestado de saúde.
Estrelas do showbiz também têm se manifestado. "Uma empresa que divulga imagens vistas como modelos de beleza por milhões de pessoas precisa ser responsável pelo tipo de mensagem que está passando", disse a atriz Cameron Diaz.
A estilista Patricia Viera, que desfila na SPFW, resolveu ir mais fundo no controle imposto pelo evento. Ela vai exigir, além do atestado médico, o IMC das garotas. "Essa medida é fundamental para ajudar a proteger a saúde das modelos."
Para a psiquiatra Cibelle Weinberg, co-autora do livro "Do Altar às Passarelas - Da Anorexia Santa à Anorexia Nervosa", a decisão da SPFW de pedir o atestado é útil, mas desde que o médico seja muito criterioso. "Exames simples podem enganar", diz. Ela sugere que o atestado seja dado por um psiquiatra capaz de diagnosticar anorexias nervosas.

O manifesto antianorexia

Leia abaixo o "Manifesto Nacional de Auto-regulamentação da Moda Italiana Contra a Anorexia", promovido e assinado pelo Ministério para as Políticas Juvenis e os Esportes, pela Câmara Nacional da Moda Italiana e a associação de moda Alta Roma

Tendo em vista que:
Os distúrbios alimentares como anorexia e bulimia atingem em nosso país cerca de 3 milhões de pessoas. Trata-se de indivíduos que sofrem de um grave distúrbio psíquico, um mal sub-reptício cujas causas são obscuras e devem ser buscadas nas intricadas articulações da vida de cada um. O problema é complexo e, para ser enfrentado, demanda a contribuição de especialistas tais como nutricionistas, psiquiatras e psicoterapeutas.
Muitas das mulheres atingidas pelos distúrbios da alimentação são jovens que iniciaram dietas, freqüentemente buscando alcançar um ideal de beleza próprio das modelos das passarelas e das capas de revista, a fim de perseguir um modelo estético percebido como o único possível.
Portanto, estamos conscientes do fato de que os jovens podem ser condicionados por exemplos e estilos de vida em que a magreza exagerada pode se tornar um modelo a ser imitado.
Consideramos que esse componente cultural, estético e midiático, como afirmam os médicos especialistas, seja apenas uma concausa externa de um mal-estar clínico-psiquiátrico que tem suas raízes na história individual das pessoas que sofrem de distúrbios alimentares. Trata-se, no entanto, de uma concausa que não pretendemos subestimar.

Tendo em vista que:
A partir de pesquisas científicas e de dados estatísticos relativos à anorexia verificou-se que:

é possível morrer de anorexia e de bulimia (fonte ABA - Associazone Italiana Bulimia Anoressia)

a anorexia é a primeira causa mortis entre as doenças psiquiátricas (fonte ABA)

cerca de 3% da população apresenta problemas comprovados de anorexia-bulimia (fonte ABA)

95% são mulheres (fonte ABA)

como fator sócio-cultural, os modelos estéticos da moda que exaltam os "ícones da magreza" contribuem, ainda que indireta e secundariamente, para a deflagração de distúrbios alimentares (fontes ABA, AED - Academy for Eating Disorders, Aidap - Associazione Disturbi dell'Alimentazione e del Peso)

a influência negativa dos modelos estéticos "anoréxicos" atinge também a pré-adolescência: 60,4% das jovens italianas entre 12 e 14 anos de idade cultivam o desejo de magreza; 24% já se submeteram a alguma dieta; 34% criaram a sua própria dieta sem consultar um médico (fonte Società Italiana di Pediatria)

segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), há uma série de indicadores que estabelecem o estado de saúde de um indivíduo, entre os quais o Índice de Massa Corpórea (IMC); ainda de acordo com a OMS, um IMC inferior ao valor de 18,5 é um sinal de alerta que indica claramente um estado de "subpeso", devendo ser confrontado com uma série de dados pelos quais se possa estabelecer o estado de saúde de um indivíduo.

Diante de tudo o que foi exposto:
E considerando estas evidências científicas, plenamente conscientes da responsabilidades que temos, o governo italiano e em especial o Ministério para as Políticas Juvenis, a Câmara Nacional da Moda Italiana e Alta Roma pretendem transmitir criativa e construtivamente modelos estéticos positivos, como um instrumento concreto de prevenção dos distúrbios alimentares.

Sendo assim: 1) Comprometemo-nos a revalorizar um modelo de beleza saudável, solar, generoso, mediterrâneo, modelo que a Itália historicamente contribuiu a difundir em nível internacional, porque acreditamos que hoje ainda possa existir uma proposta estética positiva para as mulheres do nosso país e de todo o mundo.

2) Comprometemos-nos a tutelar a saúde das modelos que posam e desfilam em nossas passarelas, às quais solicitaremos um atestado médico baseado numa avaliação que evidencie e leve em conta os critérios científicos e os diagnósticos em matéria de distúrbio alimentar (entre os quais o IMC). Conseqüentemente nos comprometemos a não deixar desfilar ou posar modelos cujo atestado médico acuse um distúrbio alimentar comprovado.

3) Comprometemo-nos a não deixar desfilar modelos em idade inferior a 16 anos, porque consideramos que tais jovens ainda estão despreparadas para o mundo profissional da moda e, por isso, podem transmitir mensagens equivocadas a jovens da mesma faixa etária, as quais atravessam a difícil fase da pré-adolescência.

4) Comprometemo-nos a promover entre nossos associados e empresas do setor a inserção generalizada dos manequins 46 e 48 nas coleções, porque acreditamos que a tentativa de elaborar um modelo estético mais exuberante é importante não só do ponto de vista cultural e moral, mas também é produtivo de um ponto de vista comercial.

5) Comprometemo-nos a apoiar as instituições e associações médicas especializadas em promover campanhas publicitárias que modifiquem positivamente os modelos estéticos inspiradores da formação da identidade e dos comportamentos sociais.

6) Comprometemo-nos a prever em nossos regulamentos internos medidas que possam garantir o respeito aos princípios expressos neste manifesto.
Conclamamos a adesão a estes compromissos por parte de todos os agentes da Moda, desde estilistas a agências de modelo, fotógrafos e make up artists.
O presente manifesto é de responsabilidade daqueles que o subscrevem.


Tradução de Maurício Santana Dias

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