|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Espetáculo mostra faceta "mulherzinha" de Beauvoir
Com Marisa Orth no papel da filósofa francesa, "O Inferno Sou Eu" mostra sofrimento amoroso da companheira de Sartre
Peça dirigida por José Rubens Siqueira imagina encontro da intelectual com jovem universitária na Recife da década de 60
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Cabelo preso, gestual econômico, rosto pálido e voz contida, Simone de Beauvoir se queixa do mormaço no quarto recifense em que se recupera do tifo. Na pele da protagonista da
peça "O Inferno Sou Eu" -o
público leva alguns segundos
para reconhecer-, está Marisa
Orth, atriz que as Magdas e Ritas televisivas tornaram sinônimo de comédia.
"Quero que parem de se
preocupar com isso. É um problema muito mais da mídia, de
ver que produto é, do que meu",
diz a atriz, ao ser perguntada se
escolheu o papel da filósofa
francesa para reafirmar sua
versatilidade. "Quando perco
um papel porque [acham que]
"ah, ela é muito engraçada", e é
algo de que sei que poderia dar
conta, é claro que me aborrece.
Mas não significa que eu desdenhe da comédia."
Para compor a autora de "O
Segundo Sexo", Marisa largou
na coxia a expressividade
"meio parlapatosa, italiana"
que a fez conhecida no humor.
"Simone, como toda francesa, é
um bicho específico para caramba. É quente, uma mulher
apaixonada, de frases impactantes, não é uma mosca-morta. Mas seu corpo não necessariamente condiz com isso."
Sob a direção de José Rubens
Siqueira, "Inferno" toma como
mote uma situação real: a visita
do casal Sartre e Beauvoir ao
Brasil, em 1960. Durante três
meses, eles cruzaram o país
dando conferências e entrevistas para badalar as cartilhas
existencialista e feminista.
Beauvoir "mulherzinha"
Simone contraiu tifo durante
a passagem por Manaus e ainda
convalescia quando a "turnê"
do casal chegou à última escala,
Recife. Ali, Sartre caiu de amores pela anfitriã, enquanto a
companheira sofria com o abismo entre eles e a saudade do
amante americano, Nelson Algren. Com este, ela se permitia
ser "uma esposa árabe, que calça seus sapatos", como diz em
cartas endereçadas a Chicago.
"Ela estava havia três meses
sem um toque, um carinho,
morrendo de paixão pelo Nelson. E ficou em pânico ao ver
que a Marta [nome fictício da
anfitriã] mexeu com o Sartre,
pois era uma mulher com cérebro, como mostraria sua carreira política posterior [foi deputada]. Tinha beleza, inteligência e coragem: era uma mulher
com colhão", define Marisa.
É na figura da estudante de
letras Dorinha (Paula Weinfeld), contratada para cuidar de
Simone, que a dramaturga Juliana Rosenthal flerta com a ficção. A jovem nunca existiu.
Mas sua vulnerabilidade inicial
serve de contraponto à rigidez
de Simone e ao jogo que se estabelecerá entre elas, com empréstimos recíprocos de traços
de personalidade.
A universitária deixará de lado certa ingenuidade romântica e contemplará seu potencial
intelectual. Já a filósofa abrirá
frestas em sua couraça de
ideias para o afeto e perceberá,
nos relatos da outra, que não há
virtuosismo retórico que tome
o lugar do desejo.
"Inferno" estreia sete meses
depois de Fernanda Montenegro encarnar Beauvoir no monólogo "Viver sem Tempos
Mortos". "Nem me arrisco a me
comparar com ela. Era de uma
precisão, como um solo de
oboé", diz Marisa. "As peças são
complementares. Lá, o foco era
o pensamento da Simone, a força do que ela escreveu. Aqui,
surge a "mulherzinha"."
O INFERNO SOU EU
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às
20h; até 25/4
Onde: teatro Jaraguá (r. Martins Fontes, 71, tel. 0/xx/11/3255-4380)
Quanto: de R$ 70 a R$ 80
Classificação: 12 anos
Texto Anterior: Crítica: Grosseria e palavrões são receita de Welsh Próximo Texto: Frase Índice
|