São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010

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Espetáculo mostra faceta "mulherzinha" de Beauvoir

Com Marisa Orth no papel da filósofa francesa, "O Inferno Sou Eu" mostra sofrimento amoroso da companheira de Sartre

Peça dirigida por José Rubens Siqueira imagina encontro da intelectual com jovem universitária na Recife da década de 60

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Cabelo preso, gestual econômico, rosto pálido e voz contida, Simone de Beauvoir se queixa do mormaço no quarto recifense em que se recupera do tifo. Na pele da protagonista da peça "O Inferno Sou Eu" -o público leva alguns segundos para reconhecer-, está Marisa Orth, atriz que as Magdas e Ritas televisivas tornaram sinônimo de comédia.
"Quero que parem de se preocupar com isso. É um problema muito mais da mídia, de ver que produto é, do que meu", diz a atriz, ao ser perguntada se escolheu o papel da filósofa francesa para reafirmar sua versatilidade. "Quando perco um papel porque [acham que] "ah, ela é muito engraçada", e é algo de que sei que poderia dar conta, é claro que me aborrece. Mas não significa que eu desdenhe da comédia."
Para compor a autora de "O Segundo Sexo", Marisa largou na coxia a expressividade "meio parlapatosa, italiana" que a fez conhecida no humor. "Simone, como toda francesa, é um bicho específico para caramba. É quente, uma mulher apaixonada, de frases impactantes, não é uma mosca-morta. Mas seu corpo não necessariamente condiz com isso."
Sob a direção de José Rubens Siqueira, "Inferno" toma como mote uma situação real: a visita do casal Sartre e Beauvoir ao Brasil, em 1960. Durante três meses, eles cruzaram o país dando conferências e entrevistas para badalar as cartilhas existencialista e feminista.

Beauvoir "mulherzinha"
Simone contraiu tifo durante a passagem por Manaus e ainda convalescia quando a "turnê" do casal chegou à última escala, Recife. Ali, Sartre caiu de amores pela anfitriã, enquanto a companheira sofria com o abismo entre eles e a saudade do amante americano, Nelson Algren. Com este, ela se permitia ser "uma esposa árabe, que calça seus sapatos", como diz em cartas endereçadas a Chicago.
"Ela estava havia três meses sem um toque, um carinho, morrendo de paixão pelo Nelson. E ficou em pânico ao ver que a Marta [nome fictício da anfitriã] mexeu com o Sartre, pois era uma mulher com cérebro, como mostraria sua carreira política posterior [foi deputada]. Tinha beleza, inteligência e coragem: era uma mulher com colhão", define Marisa.
É na figura da estudante de letras Dorinha (Paula Weinfeld), contratada para cuidar de Simone, que a dramaturga Juliana Rosenthal flerta com a ficção. A jovem nunca existiu. Mas sua vulnerabilidade inicial serve de contraponto à rigidez de Simone e ao jogo que se estabelecerá entre elas, com empréstimos recíprocos de traços de personalidade.
A universitária deixará de lado certa ingenuidade romântica e contemplará seu potencial intelectual. Já a filósofa abrirá frestas em sua couraça de ideias para o afeto e perceberá, nos relatos da outra, que não há virtuosismo retórico que tome o lugar do desejo.
"Inferno" estreia sete meses depois de Fernanda Montenegro encarnar Beauvoir no monólogo "Viver sem Tempos Mortos". "Nem me arrisco a me comparar com ela. Era de uma precisão, como um solo de oboé", diz Marisa. "As peças são complementares. Lá, o foco era o pensamento da Simone, a força do que ela escreveu. Aqui, surge a "mulherzinha"."


O INFERNO SOU EU

Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 25/4
Onde: teatro Jaraguá (r. Martins Fontes, 71, tel. 0/xx/11/3255-4380)
Quanto: de R$ 70 a R$ 80
Classificação: 12 anos




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