São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/ "O Historiador como Colunista"

Olhar antropológico guia textos de Burke

Compilação de colunas do historiador inglês fornece pistas para a pesquisa e foge de discussões conceituais e abstratas

RONALDO VAINFAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Historiador como Colunista" reúne textos de Peter Burke, professor emérito da Universidade Cambridge e historiador muito conhecido dos brasileiros, como colunista do caderno Mais! nos últimos 12 anos. Há textos sobre quase tudo: crônicas sobre a sociedade brasileira, reflexões sobre a obra de intelectuais de várias gerações, artigos sobre a metodologia da história, textos sobre história de outros povos e culturas.
A perspectiva é a de uma história antropológica, na qual sobressai a comparação, sempre instigante, entre culturas por vezes muito diferentes, porém passíveis de serem contrastadas a partir de algum eixo, em geral histórico.
Peter Burke faz isso como poucos e, como passou a conhecer muito bem o Brasil, suas crônicas resultam num livro precioso. Lembram um pouco o Roberto DaMatta decifrador de mitos e gestos de nossa cultura, comparada à de outras sociedades, mas com perspectiva histórica mais sistemática.
As colunas de Burke para a Folha estão distribuídas em quatro seções: "Pessoas e livros"; "Ideias e mentalidades"; "A história social do cotidiano"; e "Lendo a cultura". Uma divisão temática bem-concebida, que orienta leitores, por assim dizer, acadêmicos.
O livro possui também a qualidade de funcionar como guia sobre o ofício do historiador da cultura. Discute modelos de interpretação, fornece pistas valiosas para a pesquisa histórica de inúmeros temas.
Mas a face acadêmica do livro para por aí. Nada de discussão conceitual e abstrata, como se a vocação da história fosse a de construir e provar teorias. Nada do vocabulário hermético tão ao gosto de historiadores excessivamente filosóficos.
O livro expõe temas complexos com a simplicidade de uma crônica de costumes, e nosso historiador sempre tem o cuidado de colocar-se como observador, ora distante, ora participante, dos enredos que analisa. É uma fórmula genial, quem sabe ideal, de tratar de teoria sem massacrar a paciência (e a inteligência) dos leitores.
Os textos autobiográficos são preciosos, refletindo sobre experiências do autor no serviço militar britânico, sua presença em Berlim no dia em que caiu o Muro, suas primeiras impressões do Brasil. O texto "O Que É Corrupção" oferece lição sobre como, em diversas sociedades, se opera a relação ou confusão entre o público e o privado. O mito do Brasil como paraíso ou inferno é outro texto valioso.
Reflexões sobre o uso do garfo, o costume de se dar presentes no Natal, a história da fofoca e do boato são textos deliciosos da parte dedicada ao cotidiano.
"O Historiador como Colunista" dá mostra de como é possível colocar a história ao alcance de qualquer leitor. Uma história sempre atenta à diferença entre povos e culturas, sem hierarquizá-las. Uma história que faz a ponte entre passado, presente e futuro sem apelar para determinismos gastos e chatos.
Não digo que é leitura obrigatória porque o próprio autor não gostaria, por temperamento, de uma frase como essa. Mas que o livro vale a pena ser lido, disso não tenho a menor dúvida.

RONALDO VAINFAS é professor de história moderna da Universidade Federal Fluminense.


O HISTORIADOR COMO COLUNISTA

Autor: Peter Burke
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 39,90 (322 págs.)
Avaliação: ótimo




Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Fábula amarga conduz "Preciosa" da lama à tela
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.