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LIVROS
Crítica/ "O Historiador como Colunista"
Olhar antropológico guia textos de Burke
Compilação de colunas do historiador inglês fornece pistas para a pesquisa e foge de discussões conceituais e abstratas
RONALDO VAINFAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O Historiador como
Colunista" reúne
textos de Peter
Burke, professor emérito da
Universidade Cambridge e historiador muito conhecido dos
brasileiros, como colunista do
caderno Mais! nos últimos 12
anos. Há textos sobre quase tudo: crônicas sobre a sociedade
brasileira, reflexões sobre a
obra de intelectuais de várias
gerações, artigos sobre a metodologia da história, textos sobre história de outros povos e
culturas.
A perspectiva é a de uma história antropológica, na qual sobressai a comparação, sempre
instigante, entre culturas por
vezes muito diferentes, porém
passíveis de serem contrastadas a partir de algum eixo, em
geral histórico.
Peter Burke faz isso como
poucos e, como passou a conhecer muito bem o Brasil,
suas crônicas resultam num livro precioso. Lembram um
pouco o Roberto DaMatta decifrador de mitos e gestos de nossa cultura, comparada à de outras sociedades, mas com perspectiva histórica mais sistemática.
As colunas de Burke para a
Folha estão distribuídas em
quatro seções: "Pessoas e livros"; "Ideias e mentalidades";
"A história social do cotidiano";
e "Lendo a cultura". Uma divisão temática bem-concebida,
que orienta leitores, por assim
dizer, acadêmicos.
O livro possui também a qualidade de funcionar como guia
sobre o ofício do historiador da
cultura. Discute modelos de interpretação, fornece pistas valiosas para a pesquisa histórica
de inúmeros temas.
Mas a face acadêmica do livro
para por aí. Nada de discussão
conceitual e abstrata, como se a
vocação da história fosse a de
construir e provar teorias. Nada do vocabulário hermético
tão ao gosto de historiadores
excessivamente filosóficos.
O livro expõe temas complexos com a simplicidade de uma
crônica de costumes, e nosso
historiador sempre tem o cuidado de colocar-se como observador, ora distante, ora participante, dos enredos que analisa.
É uma fórmula genial, quem sabe ideal, de tratar de teoria sem
massacrar a paciência (e a inteligência) dos leitores.
Os textos autobiográficos são
preciosos, refletindo sobre experiências do autor no serviço
militar britânico, sua presença
em Berlim no dia em que caiu o
Muro, suas primeiras impressões do Brasil. O texto "O Que É
Corrupção" oferece lição sobre
como, em diversas sociedades,
se opera a relação ou confusão
entre o público e o privado. O
mito do Brasil como paraíso ou
inferno é outro texto valioso.
Reflexões sobre o uso do garfo, o costume de se dar presentes no Natal, a história da fofoca
e do boato são textos deliciosos
da parte dedicada ao cotidiano.
"O Historiador como Colunista" dá mostra de como é possível colocar a história ao alcance de qualquer leitor. Uma história sempre atenta à diferença
entre povos e culturas, sem hierarquizá-las. Uma história que
faz a ponte entre passado, presente e futuro sem apelar para
determinismos gastos e chatos.
Não digo que é leitura obrigatória porque o próprio autor não
gostaria, por temperamento, de
uma frase como essa. Mas que o
livro vale a pena ser lido, disso
não tenho a menor dúvida.
RONALDO VAINFAS é professor de história
moderna da Universidade Federal Fluminense.
O HISTORIADOR COMO
COLUNISTA
Autor: Peter Burke
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 39,90 (322 págs.)
Avaliação: ótimo
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