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CD é clássico desde primeira audição
do enviado ao Rio
À parte a importância de
"Portela, Passado de Glória"
(70), em que o
então jovem
Paulinho da Viola dava partida ao
conceito de Velha-Guarda da
Portela como conjunto, jamais a
ala histórica daquela escola possuíra tão perfeito e bem-acabado
produto como este "Tudo Azul".
Marisa Monte, além de artista, é
esperta? Sim, mas não há queixa a
colocar em "Tudo Azul". Ainda
que graficamente revestido de
odores assépticos, entre "Central
do Brasil" de cá e "Buena Vista
Social Club" de lá (o provincianismo brasileiro vai reduzir nossas
velhas-guardas a sub-cubanas?),
o álbum é clássico desde a primeira audição, das concentrações de
arte mais potentes (e são tantas)
que o samba já deu ao Brasil.
Produtora irregular, ainda imatura, Marisa faz espetáculo em
"Tudo Azul". Ressalta instrumentos aqui, vozes de pastoras ali,
passarinhos acolá (eles piam em
"Nascer e Florescer", e ela explica
que seus pios sempre se faziam
ouvir nas fitas de fundo de quintal
de Cristina Buarque), equalizando a pedra bruta portelense, modernizando-a sem ferir o bebê indefeso da tradição.
Intercala os momentos "fortes",
da nata toda reunida, com solos
curtos (nunca muito mais que um
minuto) de autoria, voz e/ou instrumento, enfileirando as (re)apresentações que quer fazer, de
gente não menos que genial.
Assim passam "Portela Desde
Que Eu Nasci" (63), com Monarco, 63; "Eu Te Quero" (60), com
Jair do Cavaquinho, 72, de voz
dolente; "Vai, Saudade" (66), com
David do Pandeiro, 62; "Vem,
Amor" (56), com Casquinha, 77;
"Tentação" (76), com Casemiro
da Cuíca, 84; "Minha Vontade"
(55), com as pastoras Eunice, 72,
Doca, 60, Surica, 56, e Áurea Maria, 46, mais, e, escondidinha entre elas, a suave Cristina Buarque.
São, quase todos, sambas que
corriam risco de completa extinção, por falta de registro gravado
-aqui está a segunda das maiores virtudes do empreendimento
(a primeira é, claro, a qualidade
de composições, interpretações,
instrumentações, coros, palmas,
caixas de fósforo, panelas...).
Constituem, em quantidade,
amostragem ínfima do imenso
manancial que pode (vai?) se perder no que ainda resta do outrora
grandioso ambiente de escolas de
samba. Samba é coisa espontânea, são talentos de fora, e não os
dos astros ocultos Argemiro, Jair
do Cavaquinho e Monarco, que
precisam estancar a hemorragia.
Aos talentos de dentro, está
aberto hoje e amanhã o palco do
Palace -no Rio, nem o excesso
de Marisa Monte nublou momentos inesquecíveis como os solos de Argemiro, cansado e sentadinho, o sensacional corta-jaca do
pândego Jair do Cavaquinho ou
as danças brejeiras das pastoras.
Quando de fora, a jovem cantora/produtora/marketeira mostra
que não é uma aventureira -tem
estado desde sempre próxima da
Velha-Guarda da Portela, de Paulinho da Viola, dos já idos Paulo
da Portela, Candeia, Clara Nunes.
No empreendimento audacioso, integra e atualiza os procedimentos sessentistas de Elizeth
Cardoso e Nara Leão, ressuscitadoras do samba quando a bossa
nova o havia passado para trás.
Guiados, mas confortáveis em
seu canto, os antigos da Portela
vão ao tabuleiro engrandecendo a
resignação típica de quem se
acostumou ao pouco que tem (ou
pensa ter) para se defender.
Borrifam poesia no arrepiante
coro ritual de "Corri pra Ver"
(55/56) ou nos versos de Alvaiade
em "O Mundo É Assim" (68): "O
mundo passa por mim todos os
dias/ enquanto eu passo pelo
mundo uma vez". Seguem vendo
quietinhos o mundo passar. Desde que o samba é samba é assim...
(PAS)
Avaliação:
Disco: Tudo Azul
Com: Velha-Guarda da Portela
Lançamento: Phonomotor/EMI
Quanto: R$ 20, em média
Show: Velha-Guarda da Portela e Marisa
Monte
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213,
Moema, tel. 0/xx/11/5051-4900)
Quando: hoje e amanhã, às 21h30
Quanto: R$ 20 a R$ 50
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