São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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DOCUMENTÁRIO

Curta compara escravidão de ontem e de hoje

XICO SÁ
CRITICO DA FOLHA

O curta-metragem de Fernando Mozart é narrado a partir do artigo "Notícia do Brasil", escrito em 1829 pelo capelão e cronista inglês Robert Walsh, que conta os horrores vividos em um navio negreiro. Juntam-se ao texto animações com personagens da gravura "Negros no Porão", de Rugendas (1802-1858).
Com depoimentos de ex-traficantes, um policial, um empresário, uma secretária e outros seres amedrontados pelo terror urbano de agora, o filme constrói uma comparação entre os porões da escravidão e os caldeirões suburbanos das metrópoles.
Aos entrevistados foram exibidos a crônica de Walsh e a gravura, como uma forma de motivá-los para falar sobre as situações de ontem e de hoje. A intenção era provocar boas vozes, mas o resultado saiu muito certinho, esquemático, como em uma reportagem para a TV na qual o repórter força até obter a frase "perfeita".
A grande arte de um documentarista, nos sopra Eduardo Coutinho, é saber ouvir. Por mais que exista uma tese e uma mínima moral manipuladora, não custa nada deixar falar, fabular a gosto, como queria o Esopo do cinema-verdade Jean Roch, morto na semana passada. Premiado pela Riofilme e pelo Canal Brasil, que o exibe nesta semana, "Porão" fica a dever apenas uma maior generosidade, uma certa etnografia afetiva, o que daria ao seu paralelo entre as escravidões de ontem e de hoje maior consistência.
Da forma que foram colhidos os depoimentos, as falas caíram em um marxismo miúdo, sempre a mostrar a miséria como origem de todos os males. Até mesmo os negócios milionários do tráfico.
A boa idéia de usar a crônica do viajante inglês, que conduz a narrativa, e as imagens de opressão de Rugendas animado, fazem valer a pena ver o filme. Outro bom momento é a bicicleta, em animação, a partir de uma foto clássica de Pelé. Melhora as falas dos entrevistados sobre o sonho de ser um jogador de futebol como contraponto à vida miserável.


Porão
  
Quando: sexta, às 22h50, no Canal Brasil



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