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MÚSICA/CRÍTICA
Em novo disco, "Carnaval Eletrônico", cantora realiza parcerias com DJs como Renato Lopes e Xerxes
Daniela Mercury abriga seu exílio na eletrônica
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O disco "Carnaval Eletrônico" é a concretização de um
ideário que sua dona, Daniela
Mercury, acalenta desde pelo menos 2000, ano em que levou um
"trio eletrônico" às ruas carnavalescas de Salvador.
A raiz brasileira, nordestina e
baiana se sustenta no CD pelo baticum eletrônico de DJs de ponta
como Renato Lopes, Ramilson
Maia, Xerxes. Está consumado o
disco de choque entre dois mundos que costumam se detestar.
Fosse feito por volta de 96 ou 97,
"Carnaval Eletrônico" poderia ter
redefinido rumos drásticos no
pop de massa do Brasil. Mas Daniela era então refém da indústria,
e teve de se conformar ao óbvio.
Hoje, um disco eletrônico de MPB
é até convencional, não tem mais
pique para movimentar um cenário ameaçado de falência. "Carnaval Eletrônico" vale mais por sacudir o destino da própria artista.
É um desabafo adiado: sem querer ou querendo, contesta a vaia
histórica ao trio eletrônico de
2000, a instrumentalização industrial do axé (de que ela foi vítima e
agente), os preconceitos de foliões, clubbers e correligionários.
Diante de tantos acidentes, Daniela foi se sentindo exilada. O
disco retrata esse sentimento do
início ao fim, até por conexões recombinadas com produtores de
Bahia (com Carlinhos Brown),
Pernambuco (Lenine), São Paulo
(Bid do Funk Como le Gusta, o
rapper Xis), Rio-SP (Zé Pedro).
O sentido de exílio se expõe no
repertório revelador, que fala
muito da Bahia, mas quase sempre por meio de desvios. Há, por
exemplo, o muque black de "Quero Voltar pra Bahia", que o pernambucano Paulo Diniz fez em 70
para defender sutilmente a volta
de Caetano e Gil do exílio.
A genial "Vou Batê pa Tu" é caso à parte. Criada pelos autores de
suingue Orlandivo e Arnaud Rodrigues, lançou em 74 a dupla
Baiano & Os Novos Caetanos.
Eram os falsos baianos Arnaud e
Chico Anysio, que satirizavam Gil
e Caetano na TV.
Embora bem-humorado, era
um samba-soul barra pesada. Falava sobre deduragem, no auge do
caso de Wilson Simonal.
Cantando incômodos a todo
momento, Daniela quer dizer que
se vê vítima do exílio popular brasileiro, praticado cotidianamente.
No todo, o caldeirão de Daniela
continua soando desconjuntado.
Retrata um Brasil que já podia ter
deixado de ser, mas ainda é: exilado, discriminado, autopiedoso.
O dado forte é a disposição cada
vez maior de pesquisar as próprias mazelas. É a herança mais rica que Daniela recebeu da terra
natal de cantoras retumbantes e
corajosas de trio elétrico.
Carnaval Eletrônico
Artista: Daniela Mercury
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 30, em média
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