São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

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Música - Crítica/pop

Mika cria "mundo de ilusão" e acerta em suas ambições

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Todo disco que é capaz de inspirar paixões opostas, que faz o ouvinte amá-lo ou odiá-lo, merece atenção especial. Essa é a maior qualidade de "Life in Cartoon Motion", álbum de estréia do cantor libanês Mika, a principal revelação pop do ano.
Nascido em Beirute, no Líbano, Mika Penniman, 23, chama a atenção à primeira audição por duas características: a voz em falsete, extensa, resultado de sua experiência em canto lírico; e o piano, de onde ele tira melodias que remetem à disco music dos anos 70 -tudo muito dançante e... excêntrico.
Com essa receita, aparecem as comparações. A primeira lembrança é Freddie Mercury, o vocalista do Queen, morto em 1991. Com sua obsessão por elaborar uma música orquestrada, de clima suntuoso, o cantor se aproxima também de Elton John, Prince e do grupo norte-americano Scissor Sisters.
Em entrevista à Folha, Mika contou que sua intenção é criar um "mundo de ilusão", música ao mesmo tempo pop e diversa.
A diversidade que aparece em "Life in Cartoon Motion" ganha eco na própria vida de Mika. Com apenas pouco mais de um ano, devido aos conflitos no Líbano, sua família foi morar em Paris. Na adolescência, ele estabeleceu-se em Londres, onde estudou música e estreou no palco numa obra de Strauss na Royal Opera House.
No final do ano passado, Mika começou a ser realmente notado, quando a maior rádio britânica, a estatal Radio 1, começou a tocar a pegajosa "Grace Kelly". Lançada como single, desde 21 de janeiro a canção está no topo da parada britânica. Já o disco, "Life in Cartoon Motion", que saiu no Reino Unido no último dia 5 e chega ao Brasil no início de março, também foi direto ao primeiro lugar da lista dos mais vendidos -e ainda permanece lá em cima. Ou seja, Mika domina a parada de single e de discos daquele país.

Ame-o ou deixe-o
Se comercialmente o libanês é um sucesso, as críticas recebidas são extremas. Jornais como o "Guardian" e o "Independent" execraram o disco; já o
"Telegraph", o "Evening Standard" e o "Observer" levantaram muito a bola do álbum. A questão central é que quando Mika acerta, produz jóias irreparáveis; mas, quando erra a mão, suas canções tornam-se bem irritantes.
Neste último caso entram principalmente as baladas açucaradas muito acima do ponto, como "Happy Ending", "Any Other World" e "My Interpretation". Letras sentimentalóides, melodias bobas -de acabar com o dia de qualquer um.
Mas a luz vem com o resto do disco. "Grace Kelly", em que Mika faz referências a Freddie Mercury e aos tempos em que rodava de gravadora em gravadora atrás de um contrato, é a "Crazy" deste ano -"Crazy" é a canção do Gnarls Barkley que reinventou o pop ao jogar bases eletro-psicodélicas em cima de um vocal soul.
(Curiosidade: "Crazy" fez história em 2006 ao tornar-se a primeira canção a chegar ao primeiro lugar da parada britânica apenas com as vendas por download; "Grace Kelly" foi a segunda a conseguir tal feito.)
Com harmonias bem calibradas ao piano, "Love Today" e "Billy Brown" são quase tão infecciosas como "Grace Kelly". "Relax, Take it Easy" faz clara reverência aos Bee Gees, enquanto "Stuck in the Middle", lembra uma balada alegre do Scissor Sisters -ou, melhor, lembra uma balada alegre de Elton John.
Com todas as suas referências aos anos 70, Mika consegue achar um espaço autoral na música de hoje ao trazer de volta uma figura que andava em falta: a do grande cantor pop de qualidade, com postura grandiosa e ambiciosa -como Prince, Michael Jackson e o próprio Elton John costumavam ser.


LIFE IN CARTOON MOTION     
Artista: Mika
Lançamento: Universal (no Brasil, a partir do início de março)
Quanto: R$ 35, em média


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