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ANÁLISE
Um cavador tardio
AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Primo Carbonari foi um cavador tardio. Chamavam-se
"filmes de cavação", na origem do
cinema, os registros cinematográficos de encomenda que cineastas
"cavavam" junto de abastados e
políticos. Foi essa a estratégia com
que Carbonari procurou se estabelecer, desde o final dos anos 30.
Até conquistar praticamente o
monopólio dos complementos
nacionais nas salas paulistas dos
anos 70, Carbonari passou como
cinegrafista pelo Departamento
de Imprensa e Propaganda do Estado Novo e pelo posterior cinejornal "Bandeirante da Tela".
Aventurou-se ainda, sem sucesso,
na produção de longas, com títulos como "O Circo Chegou à Cidade" (1957), de Alberto Severi,
que marcou a estréia em cinema
do comediante Walter Stuart
(1924-1997).
Quem viu não esquece da tediosa sucessão "kitsch" de cerimônias oficiais, desfiles e festejos que
semana após semana se renovavam na abertura das sessões de cinema. Carborani apoiou o golpe
militar de 1964 e seus cinejornais
não deixam de retratar a ilusão de
paz e prosperidade do "Brasil
Grande" reprimido pelo quepe
tornado coroa. Pior: também tecnicamente os filmes desafiavam a
paciência dos espectadores.
Jean Manzon era um dos principais concorrentes dos jornais de
Carbonari. Noutra de suas sacadas de gênio, Paulo Emílio Salles
Gomes escreveu numa crônica da
época que não fazia sentido diferenciá-los pois era "diversa a natureza da ruindade de cada um
deles". "Manzon é o ruim de classe internacional", prosseguia, "ao
passo que Carbonari é o ruim
subdesenvolvido".
Carbonari reagia à crítica escudando-se na militância nacionalista. Foi dirigente do Sindicato da
Indústria Cinematográfica e
membro do Conselho Estadual de
Cinema. A Maria Rita Galvão, desabafou certa vez: "Fizeram mal
em fazer campanha contra minha
pessoa. Como eu produzo uma
média por ano de cem filmes, eu
quis mostrar que era preciso todos os dias de cinema nacional".
O tempo dos cinejornais passou
e com eles foi-se a era Primo Carbonari. Ficou seu extenso acervo,
valioso registro audiovisual de
certa elite brasileira, sobretudo
paulista. A história imanta os documentos mais estranhos. Carbonari ainda vai dar bom filme.
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