São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Um cavador tardio

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Primo Carbonari foi um cavador tardio. Chamavam-se "filmes de cavação", na origem do cinema, os registros cinematográficos de encomenda que cineastas "cavavam" junto de abastados e políticos. Foi essa a estratégia com que Carbonari procurou se estabelecer, desde o final dos anos 30.
Até conquistar praticamente o monopólio dos complementos nacionais nas salas paulistas dos anos 70, Carbonari passou como cinegrafista pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo e pelo posterior cinejornal "Bandeirante da Tela". Aventurou-se ainda, sem sucesso, na produção de longas, com títulos como "O Circo Chegou à Cidade" (1957), de Alberto Severi, que marcou a estréia em cinema do comediante Walter Stuart (1924-1997).
Quem viu não esquece da tediosa sucessão "kitsch" de cerimônias oficiais, desfiles e festejos que semana após semana se renovavam na abertura das sessões de cinema. Carborani apoiou o golpe militar de 1964 e seus cinejornais não deixam de retratar a ilusão de paz e prosperidade do "Brasil Grande" reprimido pelo quepe tornado coroa. Pior: também tecnicamente os filmes desafiavam a paciência dos espectadores.
Jean Manzon era um dos principais concorrentes dos jornais de Carbonari. Noutra de suas sacadas de gênio, Paulo Emílio Salles Gomes escreveu numa crônica da época que não fazia sentido diferenciá-los pois era "diversa a natureza da ruindade de cada um deles". "Manzon é o ruim de classe internacional", prosseguia, "ao passo que Carbonari é o ruim subdesenvolvido".
Carbonari reagia à crítica escudando-se na militância nacionalista. Foi dirigente do Sindicato da Indústria Cinematográfica e membro do Conselho Estadual de Cinema. A Maria Rita Galvão, desabafou certa vez: "Fizeram mal em fazer campanha contra minha pessoa. Como eu produzo uma média por ano de cem filmes, eu quis mostrar que era preciso todos os dias de cinema nacional".
O tempo dos cinejornais passou e com eles foi-se a era Primo Carbonari. Ficou seu extenso acervo, valioso registro audiovisual de certa elite brasileira, sobretudo paulista. A história imanta os documentos mais estranhos. Carbonari ainda vai dar bom filme.


Texto Anterior: Cinema: Morre o cinejornalista Primo Carbonari
Próximo Texto: Festival evidencia filmografia de Werner Herzog
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.