São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2007

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Gostei

Universo de Mutarelli é bem adaptado

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Lourenço Mutarelli é o cara: quase todas as sensações ambíguas de atração e repulsa que "O Cheiro do Ralo", o filme, provoca no espectador vêm de "O Cheiro do Ralo", o livro.
Costuma-se dizer, a respeito de certos romances, que seriam roteiros quase prontos para filmar. Esse raciocínio supõe que as imagens funcionam como penduricalhos, a serviço de uma estrutura superior pré-estabelecida, a do texto.
Também se diz que certas adaptações seriam "fiéis" ao original porque respeitariam as características dos personagens e o desenvolvimento da narrativa, como se tudo o que interessa à essência literária morasse aí. Pois bem: Mutarelli escreveu um romance que muitos definiriam como "cinematográfico", porque linear no uso do tempo, episódico e descritivo; e o roteiro busca ser "fiel" ao seu andamento.
As duas idéias custam caro à adaptação. No livro, o mergulho nos quartos escuros do protagonista se dá pela narrativa em primeira pessoa: o tal do "roteiro pronto" é, no fundo, um expressionista relato de viagem em que o mundo se torna estranho e fascinante porque assim parece ao narrador.
Desnecessário lembrar que, no cinema, inserir a voz do personagem sobre as imagens, como instância narrativa paralela à do filme, não alcança o mesmo resultado. "O Cheiro..." opta por essa solução, com o custo adicional de entregá-la a Selton Mello: ele fala sério, ele finge que fala sério, ele está de gozação o tempo todo, ou tudo isso ao mesmo tempo?
Já a "fidelidade", embora impeça que "O Cheiro..." se estabeleça com maior autonomia em relação ao livro, faz justiça ao que o filme tem de mais original e impactante, o universo peculiar de Mutarelli (apesar de suavizado). Esse é o cara.


AVALIAÇÃO: Bom

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