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Gostei
Universo de Mutarelli é bem adaptado
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Lourenço Mutarelli é o
cara: quase todas as sensações ambíguas de
atração e repulsa que "O Cheiro
do Ralo", o filme, provoca no
espectador vêm de "O Cheiro
do Ralo", o livro.
Costuma-se dizer, a respeito
de certos romances, que seriam
roteiros quase prontos para filmar. Esse raciocínio supõe que
as imagens funcionam como
penduricalhos, a serviço de
uma estrutura superior pré-estabelecida, a do texto.
Também se diz que certas
adaptações seriam "fiéis" ao
original porque respeitariam as
características dos personagens e o desenvolvimento da
narrativa, como se tudo o que
interessa à essência literária
morasse aí. Pois bem: Mutarelli
escreveu um romance que muitos definiriam como "cinematográfico", porque linear no uso
do tempo, episódico e descritivo; e o roteiro busca ser "fiel" ao
seu andamento.
As duas idéias custam caro à
adaptação. No livro, o mergulho nos quartos escuros do protagonista se dá pela narrativa
em primeira pessoa: o tal do
"roteiro pronto" é, no fundo,
um expressionista relato de
viagem em que o mundo se torna estranho e fascinante porque assim parece ao narrador.
Desnecessário lembrar que,
no cinema, inserir a voz do personagem sobre as imagens, como instância narrativa paralela
à do filme, não alcança o mesmo resultado. "O Cheiro..." opta por essa solução, com o custo
adicional de entregá-la a Selton
Mello: ele fala sério, ele finge
que fala sério, ele está de gozação o tempo todo, ou tudo isso
ao mesmo tempo?
Já a "fidelidade", embora impeça que "O Cheiro..." se estabeleça com maior autonomia
em relação ao livro, faz justiça
ao que o filme tem de mais original e impactante, o universo
peculiar de Mutarelli (apesar
de suavizado). Esse é o cara.
AVALIAÇÃO: Bom
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