São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2007

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Cinema / estréias

Crítica/"A Leste de Bucareste"

Humor corrosivo domina filme romeno

Primeiro longa do diretor Corneliu Porumboiu, título se pauta pelo questionamento dos códigos dominantes do cinema europeu

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"Mais uma invenção de festivais e de críticos que adoram obscuridades!", podem exclamar alguns. O fato é que, depois de orientais, iranianos e argentinos, o cinema romeno tornou-se a mais recente coqueluche em festivais e revistas especializadas. Em parte, pode-se creditar tanta atenção à entrada recente do país na União Européia. A chegada ao circuito comercial brasileiro de "A Leste de Bucareste" permite, contudo, outra aproximação de uma produção que, apesar de limitada em quantidade, parece se pautar por ideais de provocação e de ruptura com códigos dominantes.
Um tom de crônica e uma estética do improviso, um humor niilista e uma mirada constante no espelho em busca de respostas à questão "quem somos?" reaparecem neste primeiro longa de Corneliu Porumboiu.
Sinais semelhantes já haviam produzido sobressaltos e uma avalanche de elogios e de prêmios para "A Morte de Dante Lazarescu", de Cristi Puiu.

Vida marginal
É o ponto de vista periférico o que mais chama a atenção na estréia de Porumboiu. O diretor transforma em trunfo um orçamento limitadíssimo (180 mil) ao conceber um filme à margem sob muitos aspectos. Marginal à lógica das ricas co-produções européias, com poucos e desconhecidos atores, cenários exíguos e situações minimalistas, sob um título que reafirma esse "fora do lugar".
Numa espécie de prólogo, Porumboiu nos apresenta os três personagens sobre os quais vai concentrar o núcleo do relato: Jederescu, improvisado apresentador de TV, Piscoce, um velhinho que sobrevive atuando como Papai Noel na época do Natal, e Manescu, um professor de história alcoólatra e mitômano.
Feitas as apresentações de modo elíptico, Porumboiu se concentra no cenário da emissora onde se desenrola um debate sobre a queda do ditador Nicolau Ceausescu em 22 de dezembro de 1989.
Para comemorar o aniversário desta "revolução", Jederescu levanta a questão sobre a presença popular às 12h08, hora-símbolo em que o casal Ceausescu abandonou a capital. O povo ocupou a praça antes ou depois? Respondê-la significa explicitar o lugar do povo naquela "revolução".
Sob essa provocação, o que o filme de Porumboiu alcança, além da dimensão histórico-política da atuação dos romenos, é o status da verdade. Diante de imagens como as gravadas pela TV, a pergunta que se impõe é "existem fatos ou apenas versões?". "Aconteceu ou não?", questiona o título do filme no original ("A Fost Sau n-a Fost?").
Conduzido por um humor corrosivo que bebe diretamente na fonte do absurdo de Eugene Ionesco, "A Leste de Bucareste" reconduz o cinema a uma salutar margem, de onde se pode se enxergar com clareza como se destroem e constroem mitos.


A LESTE DE BUCARESTE
Direção:
Corneliu Porumboiu
Produção: Romênia, 2006
Com: Mircea Andreescu, Teodor Corban e Ion Sapdaru
Quando: em cartaz no HSBC Belas Artes/Sala Carmen Miranda
Avaliação: Bom


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