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Cinema / estréias
Crítica/"A Leste de Bucareste"
Humor corrosivo domina filme romeno
Primeiro longa do diretor Corneliu Porumboiu, título se pauta pelo questionamento dos códigos dominantes do cinema europeu
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
"Mais uma invenção
de festivais e de
críticos que adoram obscuridades!", podem exclamar alguns. O fato é que, depois de orientais, iranianos e
argentinos, o cinema romeno
tornou-se a mais recente coqueluche em festivais e revistas
especializadas. Em parte, pode-se creditar tanta atenção à entrada recente do país na União
Européia. A chegada ao circuito
comercial brasileiro de "A Leste de Bucareste" permite, contudo, outra aproximação de
uma produção que, apesar de limitada em quantidade, parece
se pautar por ideais de provocação e de ruptura com códigos
dominantes.
Um tom de crônica e uma estética do improviso, um humor
niilista e uma mirada constante
no espelho em busca de respostas à questão "quem somos?"
reaparecem neste primeiro
longa de Corneliu Porumboiu.
Sinais semelhantes já haviam
produzido sobressaltos e uma
avalanche de elogios e de prêmios para "A Morte de Dante
Lazarescu", de Cristi Puiu.
Vida marginal
É o ponto de vista periférico
o que mais chama a atenção na
estréia de Porumboiu. O diretor transforma em trunfo um
orçamento limitadíssimo
(180 mil) ao conceber um filme à margem sob muitos aspectos. Marginal à lógica das ricas co-produções européias,
com poucos e desconhecidos
atores, cenários exíguos e situações minimalistas, sob um
título que reafirma esse "fora
do lugar".
Numa espécie de prólogo,
Porumboiu nos apresenta os
três personagens sobre os
quais vai concentrar o núcleo
do relato: Jederescu, improvisado apresentador de TV, Piscoce, um velhinho que sobrevive atuando como Papai Noel na
época do Natal, e Manescu, um
professor de história alcoólatra
e mitômano.
Feitas as apresentações de
modo elíptico, Porumboiu se
concentra no cenário da emissora onde se desenrola um debate sobre a queda do ditador
Nicolau Ceausescu em 22 de
dezembro de 1989.
Para comemorar o aniversário desta "revolução", Jederescu levanta a questão sobre a
presença popular às 12h08, hora-símbolo em que o casal
Ceausescu abandonou a capital. O povo ocupou a praça antes ou depois? Respondê-la significa explicitar o lugar do povo
naquela "revolução".
Sob essa provocação, o que o
filme de Porumboiu alcança,
além da dimensão histórico-política da atuação dos romenos, é o status da verdade.
Diante de imagens como as
gravadas pela TV, a pergunta
que se impõe é "existem fatos
ou apenas versões?". "Aconteceu ou não?", questiona o título
do filme no original ("A Fost
Sau n-a Fost?").
Conduzido por um humor
corrosivo que bebe diretamente na fonte do absurdo de Eugene Ionesco, "A Leste de Bucareste" reconduz o cinema a
uma salutar margem, de onde
se pode se enxergar com clareza como se destroem e constroem mitos.
A LESTE DE BUCARESTE
Direção: Corneliu Porumboiu
Produção: Romênia, 2006
Com: Mircea Andreescu, Teodor Corban e Ion Sapdaru
Quando: em cartaz no HSBC Belas Artes/Sala Carmen Miranda
Avaliação: Bom
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