São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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Olhar mutante

Um dos maiores fotógrafos do país, Walter Firmo lança livro e inicia nova fase da carreira, voltada à abstração

Walter Firmo
Pixinguinha posa em cadeira de balanço, no quintal de sua casa, em 1968

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

"Brasil - Imagens da Terra e do Povo" reúne 260 fotos de Walter Firmo. Basta uma folheada no livro para entender por que ele é um dos maiores fotógrafos do país e célebre por seus retratos. Mas, ao ouvir o repórter citar imagens que poderão ilustrar a entrevista, Firmo demonstra desconforto:
"Estou saindo desse classicismo, já não aguento mais. Como me considero um criador jovem, embora tenha 71 anos, procuro sempre estar na contramão de mim mesmo. Um artista deve ser mutante. Isto [as fotos mais conhecidas] são águas passadas. Aconteceu na minha vida, foi muito bom, mas já era. Estou olhando sempre um horizonte novo".
Deve-se ler com ressalvas o desabafo desse carioca do subúrbio de Irajá. Firmo comenta com muito orgulho o que já fez em 52 anos de carreira. Vaidoso, chega a falar de si mesmo na terceira pessoa. Mas, inquieto, vem exercitando a abstração ao fotografar o céu, o chão, objetos, detalhes.
"Sempre digo que botei o Pixinguinha para a contemplação na cadeira de balanço, mas eu não sou aquele estereótipo."
A foto do mestre do choro é a mais famosa de Firmo. Está no livro em versão preto-e-branco, assim como as de Cartola, Clementina de Jesus e outros.
A grande maioria das fotos, no entanto, está em cores e retrata anônimos. São pessoas de várias partes do país, no seu cotidiano ou em situações especiais, como casamentos, festas religiosas e profanas.
"Fotografia é um ato político. Por isso, 90% dos fotografados são negros", ressalta. Firmo não pensava assim quando começou, em 1957, na "Última Hora". Dez anos depois, já na editora Bloch, foi para Nova York. Contrariado, um colega brasileiro usou uma expressão racista para falar dele.
"Aí caiu a ficha. Eu me redescobri crioulo. Era a época do "black is beautiful". Deixei o cabelo crescer e, quando voltei ao Brasil, comecei a trabalhar socialmente a minha visão. Primeiro, com os artistas, depois as fábricas, as ruas e, finalmente, as festas religiosas", lembra.
Ele só largaria o fotojornalismo em 1985, mas antes já eram notórios seus retratos de pessoas negras nos quais a miséria é discreta ou inexistente.
"Meus personagens são totens de si mesmos ou de mim, que me vejo neles. Estão sempre esperançosos. Quando tenho que fotografar favela, eu me deparo com uma situação de um surrealismo infame e digo: não é possível que isso exista. É forte demais, é dor demais, é vida demais. Eu coloco essas cores de uma forma dadivosa, como faziam os impressionistas. O Sebastião [Salgado] gosta da coisa dura, da denúncia. Eu não gosto de denunciar, gosto de glorificar", diz.

"Crônica diária"
Para o colega Walter Carvalho, Firmo, "quando aponta a mira para o ordinário, o comum, se torna incomum, pois encontra o simples, que é o mais difícil".
"Quando vejo a minha foto da Clementina e vejo a dele, eu guardo a minha. A do Pixinguinha poderia ser uma crônica do Manuel Bandeira ou do Rubem Braga. O Walter traz para dentro da sua câmera a crônica diária", afirma Carvalho.
Ao contrário do xará, Firmo não foi para o cinema. Conta que começou a fotografar pensando nessa migração, mas descobriu que "a estática tem uma sedução que o movimento não tem". E seria difícil lidar com grandes equipes.
"Fui criado com avó, filho único, sou muito eu, com um id forte. Às vezes, nem eu consigo me aturar. Imagina com uma equipe de cem pessoas e um diretor peçonhento", diz.
Prefere tocar sozinho seus projetos, como faz agora com um sobre sertões e outro sobre famílias negras brasileiras, ambos em preto-e-branco e com filme -embora ele já use máquina digital.
Ao menos por enquanto, continua distante dos programas que interferem nas imagens e sem gostar de fotografar à noite ou em estúdio.
Quando trabalha coletivamente, é com seus alunos. Dá cursos regulares em São Paulo e Rio e workshops em outras cidades. Na seara de professor desenvolve sua nova fase, classificada como "experimental", não definitiva.
"A geografia humana é a que me comove, fundamentalmente", resume.


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