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Crítica/teatro/"Inveja dos Anjos"
Armazém faz jogo eficiente entre palavra e imagem
Grupo confirma sua maturidade em apresentação no Festival de Curitiba
LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
O teatro contemporâneo
coloca-se a dificuldade
de encontrar formas
de contar histórias que escapem dos modelos dramáticos
convencionais. Este é um traço
comum que o espetáculo "Inveja dos Anjos" tem com muitas outras produções experimentais brasileiras.
O que se destaca nesta premiada criação da Cia. Armazém
é a felicidade com que se combinam, em sua dramaturgia, as
partes dialogadas em que uma
ação dramática se desenvolve e
cenas mais líricas, com falas
menos funcionais ou fundadas
na visualidade.
No início, há o despojamento
de um palco quase vazio. O único elemento marcante é um trilho que cruza toda a cena e faz
uma curva para cima, prosseguindo até o teto e criando um
eixo vertical. Um dos personagens narra o encontro que viu,
de sua janela, entre um carteiro
e um homem sem braço. Logo,
este aparecerá descendo pelo
trilho como se andasse perpendicularmente sobre ele.
Esta combinação de referências trazidas pelo discurso falado, que remetem aos personagens e suas histórias, e de cenas
que falam por si e interagem fisicamente com o que vinha
sendo proposto à imaginação
do público se repetirá até o fim.
É um procedimento que se revela eficiente, pois, se a princípio os personagens são vagos e
não identificados e a trama em
que se perdem é remota, ao final, eles se tornam plenos de vida, e suas sagas, adensadas pelas várias camadas de dados,
objetivos e poéticos, se apresentam cristalinas.
O encenador Paulo Moraes,
que aqui é também, ao lado de
Maurício Arruda Mendonça,
dramaturgo, e, ao lado de Paula
Berri, cenógrafo, propõe uma
discussão sobre a potência criativa, seja aquela que resulta em
obras, livros e espetáculos, seja
a que se explicita na vida, e no
fado que cada ser humano
constrói para si.
Dois personagens -o do escritor que tenta colocar no papel o vivido para tentar dar sentido a ele e o do mágico que busca viver os seus sonhos, tentando transformar em realidade as
ilusões da prestidigitação- são
exemplares da tensão entre o
que parece possível e o que de
fato se realiza.
Temperando os dois polos,
há o carteiro que viola correspondências e faz o cruzamento
entre o que se escreve e o que se
vive. As personagens femininas
-a garçonete abandonada, as
filhas rejeitadas e as mães
enlouquecidas- propiciam as
definições que irão explodir o
que era previsível e transformar os destinos.
Elenco afinado
A Cia. Armazém tem uma
trajetória de quase 20 anos e,
há mais de dez, trabalha em
condições ideais com sede própria e subvenção segura. Um
espetáculo como "Inveja dos
Anjos" honra as apostas que se
fizeram na companhia e confirma sua maturidade.
Além da direção de Paulo
Moraes, aqui mais do que nunca um dramaturgo que encena,
ou que escreve diretamente no
espaço, ainda conciliado com a
palavra, não se teria alcançado
esse nível sem a qualidade homogênea de seus atores e atrizes, em que excede o talento de
Patrícia Selonk. Seu trabalho é
de causar inveja nos anjos.
Avaliação: bom
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