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LIVROS
ENSAIO
Em "Estudos sobre Teatro" dramaturgo desautoriza idéias a respeito dele
"Anotações" revelam Bertolt Brecht em constante mutação
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Em sua autobiografia, Giorgio
Strehler lembra-se de seu último encontro com o dramaturgo
alemão Bertolt Brecht (1898-1956): entre jovens "brechtianos"
militantes, o "mestre", que recusava esse título, destruía com ironia todas as suas convicções.
"Não confiem muito no "Organon'", dizia. "O teatro se faz no
palco. Tudo ainda está para ser esclarecido."
Para manter Brecht vivo e
atuante, é essencial não mumificá-lo em fórmulas definitivas. E,
para isso, o autor mais indicado é
o próprio Brecht. A reedição de
"Estudos Sobre Teatro", lançada
pela Nova Fronteira, que coincide
com a proibição momentânea da
encenação de seus textos, pode
ser uma boa ocasião para rever
princípios que já são impostos
por alguns como receitas infalíveis para um teatro unívoco.
Mutante
Se Brecht dá ênfase à função de
transformar o mundo por meio
do teatro, dá igual importância ao
fato de o teatro estar refletindo
um mundo em transformação.
Assim, cada montagem sua se esforça em estar também em mudança contínua, atenta às circunstâncias de época e lugar, cada qual
com seu objetivo específico.
Por isso, o que forma o volume é
menos um conjunto orgânico de
princípios do que "notas sobre
peças e representações", título da
primeira parte do volume. Idéias
cristalizadas sobre Brecht são assim desautorizadas por ele.
A primeira dessas idéias é que
qualquer emoção deve ser evitada
no teatro épico quando justamente o humor é o maior instrumento
do seu famoso "distanciamento".
"É preciso defender o teatro épico contra qualquer suspeita de se
tratar de um teatro profundamente desagradável, enfadonho e
fatigante", diz ele, que menospreza os naturalistas exatamente porque eles se arvoram em diretores
de consciência dos outros.
Sem se automistificar, o dramaturgo define que "o conteúdo da
ópera "Mahagonny" é o prazer" e
propõe, no próprio "Organon",
que é visto por alguns como uma
bíblia do teatro científico longe
dos "prazeres burgueses": "Tratemos o teatro como um recinto de
diversão, único tratamento possível desde que o enquadremos em
uma estética".
Diversão, no entanto, que não
se opõe à função de retratar o
mundo. Ao responder à indagação de Friedrich Dürrenmatt
(1921-90), "poderá o mundo de
hoje ser reproduzido pelo teatro?", declara Brecht: "Não posso
afirmar que a representação épica
seja a solução por excelência...
mas só poderemos descrever o
mundo atual para o homem atual
se o descrevermos como um
mundo passível de modificação".
O problema do teatro, portanto,
não é o fato de ele ser comercializado como "iguaria", mas o fato
de a criação artística ser vista apenas como matéria-prima de uma
engrenagem que não está mais a
serviço do público nem do artista,
mas de um sistema dominante
dado como imutável.
Em tempos que os fantasmas da
velha ópera se arvoram como única saída comercial para o teatro e
que "brechtianos" cristalizados
desconfiam de qualquer teatro
que utilize a emoção, é preciso, a
exemplo de Brecht, reivindicar o
prazer como fator de transformação do mundo.
Estudos Sobre Teatro
Autor: Bertolt Brecht
Editora: Nova Fronteira
Tradução: Fiama Pais Brandão
Quanto: R$ 29 (256 págs.)
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