São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Entidade americana protege arquitetura e arte em perigo


World Monuments Fund investe na recuperação de sítios históricos em todo o mundo


CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

A instituição beneficente norte-americana World Monuments Fund divulga a cada dois anos uma lista com os cem sítios históricos ou monumentos que correm maior risco de deterioração em todo o mundo.
Além de alertar a população mundial para os riscos que esses sítios correm, a entidade investe ainda em projetos de manutenção e recuperação desses locais.
Sua mais recente lista, divulgada no início deste ano, trouxe uma surpresa, a exclusão do Brasil, que contava com um sítio na lista anterior: o Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí, que guarda um rico acervo de pinturas rupestres.
Em entrevista à Folha, por telefone, a presidente da entidade, Bonnie Burnham, explicou quais critérios regem a definição da lista, quais suas prioridades e os riscos que o patrimônio mundial corre.

Folha - Que tipo de prioridades a World Monuments Fund tem hoje em dia? Quais são os edifícios, monumentos ou sítios históricos que a entidade tenta preservar?
Bonnie Burnham -
Nossas prioridades são todos os monumentos e locais citados em nossa lista. São muitas prioridades, pois são muitos os problemas no mundo. Estamos tentando financiar projetos no maior número deles possível.
Folha - O que o WMF fez, por exemplo, em relação à tragédia causada pelos terremotos em Assis, na Itália, em 1997?
Burnham -
Desenvolvemos dois projetos lá. Um foi adotado por um grupo de americanos e outro por cidadãos britânicos. Ambos são pequenas igrejas da região.
Acreditamos que os monumentos mais importantes, como os de Assis, encontrariam financiamento em organizações privadas e instituições governamentais e por isso optamos por casos que não seriam socorridos imediatamente.
Um deles era uma igreja do século 12 em Pieve di San Gregorio, perto da cidade de Trevi, que estava praticamente destruída e que agora pode retomar suas funções religiosas. O projeto custou cerca de US$ 200 mil e foi financiado por americanos.
O outro projeto é uma igreja romana da cidade de Bevagnia, do século 12, a cerca de 15 km de Assis, que foi financiado por um grupo inglês e que tem apoio do príncipe Charles.
Folha - No site na Internet existe um "link" dedicado à cultura judaica. Por que esse privilégio?
Burnham -
Existem duas razões. Uma é a constituição do público norte-americano que está interessado nesse assunto. Em grande parte, ele é judeu, tem boa situação financeira e muitas relações com o resto do mundo.
A outra razão é o Holocausto, que causou uma grande perda de história dessa comunidade. Muitos tiveram que abandonar seu passado e não puderam voltar atrás, deixando para trás símbolos e evidências de sua presença. Temos um projeto importante nesse sentido em Cracóvia, na Polônia.
Folha - Os monumentos islâmicos não correm mais riscos?
Burnham -
Eu devo dizer que, da mesma forma que os judeus, os islâmicos também não estão muito interessados em seus monumentos. Muitos locais estão em perigo, em países como o Paquistão. Nosso trabalho, porém, depende também da maneira como o país estabelece suas prioridades culturais.
O que estamos fazendo na Bósnia, em Mostar, não tem uma orientação islâmica, mas visa todo o tecido urbano. Todo tipo de estrutura religiosa ou cultural da cidade está no programa, inclusive a ponte sobre o rio Mostar, que é um símbolo ecumênico e da tradição multicultural do país.
Nosso projeto ali é em parceria com a Agha Khan Foundation, que é uma entidade muito interessada em arquitetura islâmica. Mas isso não faz com que priorizemos mesquitas, mas a arquitetura em geral.
Folha - Por que o WMF investe em países ricos como EUA, Áustria e Alemanha? Por que não investir em países menos favorecidos?
Burnham -
Essa é uma boa pergunta e a resposta não é a que eu gostaria de estar dando.
Antes de tudo, os países ricos também têm problemas com sua herança cultural e não sabem como preservá-la.
Também é muito difícil levantar fundos para projetos em países do Terceiro Mundo. Nossa única ajuda nesse campo é um projeto que desenvolvemos com o Banco Mundial.
Os patrocinadores americanos querem ver seu dinheiro investido no lugar de onde eles vieram ou para onde irão.
Uma exceção é o American Express, nosso maior patrocinador, que investe seu dinheiro de uma maneira variada. Mas normalmente as corporações procuram projetos de grande visibilidade.
Também tentamos sempre trabalhar em parceria com as autoridades locais, e muitas vezes nem sequer o governo local pode nos ajudar no projeto. Mas temos trabalhado bastante no México e também no sul da Ásia. Temos grandes projetos no Camboja, por exemplo, onde atuamos há alguns anos.
Folha - O Brasil tinha o sítio arqueológico da serra da Capivara, no Piauí, na lista. Por que ele saiu? Burnham - A lista não é permanente, como a lista dos patrimônios da humanidade. Nossa estratégia é manter uma política de acompanhamento para ver como a situação se desenvolveu. Para isso precisamos ser informados regularmente por quem solicitou a inclusão do local na lista.
Folha - O que mais destrói o patrimônio histórico: calamidades naturais, guerras ou a falta de recursos para preservação?
Burnham -
É curioso notar que as calamidades naturais têm uma responsabilidade muito pequena. A maior parte da degradação foi causada pelo abandono ou pela falta de verbas para a sua conservação.
Folha - A presença do comunismo em países como Mongólia e Iugoslávia colocou em risco seus monumentos?
Burnham -
A influência foi devastadora. Na Mongólia, por exemplo, o comunismo destruiu todo sinal de cultura local. Houve um tipo de limpeza cultural que tentou aniquilar todo o seu passado.
Tudo o que era realmente significativo na cultura da comunidade, como cemitérios, igrejas e castelos, foram destruídos pelos comunistas. Além de todo o meio ambiente, que foi sacrificado, com indústrias altamente poluidoras.
Folha - Como você vê a situação em Havana? Por que a cidade, cujo patrimônio histórico está tão degradado, está fora da lista?
Burnham -
As cidades só podem entrar na lista se são nomeadas pelos interessados e se não contam com o apoio do governo em sua preservação. Nós não indicamos nada. Tivemos algumas indicações de Cuba, mas nenhuma de Havana. Mas aceitamos a indicação de um cemitério em Cinfuegos.
Folha - É mais difícil trabalhar em um país que, como Cuba, está sob embargo econômico pelos EUA?
Burnham -
É muito difícil trabalharmos em Cuba. Podemos fazer a documentação e levantamento da situação no país, mas não agir diretamente nos locais afetados.
Folha - Que tipo de país é mais difícil de ajudar: ex-comunista, islâmico, em guerra...?
Burnham -
Eu acho que os maiores problemas são os econômicos e a linha política que o país segue em alguns momentos de sua história. Mas geralmente somos muito bem-vindos em todos os países em que atuamos, mesmo no Vietnã, onde desenvolvemos dois projetos, ou Camboja, que já foi bombardeado pelos americanos.


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