São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2005

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MÚSICA

A cantora alemã radicada nos EUA se apresenta nesta quarta em Porto Alegre com repertório consagrado e político

Ute Lemper traz ao país ecos de Weimar

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Cantora, bailarina e atriz, a alemã Ute Lemper, 41, é uma defensora da tradição das artistas de cabaré da liberal República de Weimar (1919-1933), apesar de viver na conservadora terra de George W. Bush. "Não me identifico com os EUA, estou aqui pois Nova York tem uma vivacidade que não encontro nas cidades européias", disse Lemper à Folha.
Às vésperas de lançar um novo disco, "Ute Lemper at Cafe Carlyle", e grávida do terceiro filho, a artista faz um show no Brasil, depois de amanhã, na capital gaúcha, no lançamento da programação do 12º Porto Alegre em Cena.
Lemper cancelou uma performance em São Paulo, no dia 1º de junho, já que "não teve dinheiro", como contou. Pena, pois suas apresentações no Cultura Artística, em 2001, foram inesquecíveis.
A artista, que já trabalhou com um amplo escopo de grandes criadores, da coreógrafa Pina Bausch ao cineasta Peter Greenaway, prepara para o próximo ano um disco de composições só suas.
A vida nos EUA, seus novos discos e o show em Porto Alegre foram temas da entrevista concedida, na última sexta, por telefone, de sua residência em Nova York.
 

Folha - Por que só uma apresentação no Brasil?
Ute Lemper -
Na verdade seriam duas, uma também em São Paulo, após Buenos Aires, mas por falta de dinheiro não foi possível realizar minha segunda ida a SP.

Folha - Você está lançando um novo disco, em junho, não é?
Lemper -
Sim, serão um CD e um DVD a partir de um show no Cafe Carlyle [em Nova York]. Há 15 anos não lanço um disco ao vivo...

Folha - Será lançado no Brasil?
Lemper -
Espero que sim, especialmente o DVD, pois, como é show ao vivo, isso o torna muito mais divertido, é a ação real.

Folha - O show que você irá apresentar em Porto Alegre contém músicas desse novo álbum?
Lemper -
Não, no Brasil haverá maior variedade, com um repertório de canções francesas consagradas por Edith Piaf e Jacques Brel, algumas músicas também bastante políticas da tradição hebraico-árabe, além de Kurt Weill e Bertolt Brecht e até algumas compostas por mim, o que não está no meu novo álbum, mas num outro que estou produzindo.

Folha - Seu repertório está vinculado à República de Weimar, com canções sarcásticas e políticas de uma era de liberdade. Como você consegue viver nos EUA, numa onda tão conservadora?
Lemper -
Eu vivo em Nova York, que é um lugar muito livre, o que não ocorre no resto da América. Aqui é um grande caldeirão cultural, onde ocorre de tudo, há europeus por todo lado, é uma cidade muito liberal, vibrante, com uma grande comunidade gay, e tudo isso eu não vejo em cidades européias como Paris, Londres ou Berlim. Mas quem criar coragem e sair duas horas daqui, aí sim, é possível ver o conservadorismo.

Folha - Depois do 11 de Setembro a cidade não mudou?
Lemper -
Bom, claro, as pessoas ficaram mais neuróticas e com mais medo do que pode acontecer, foi a primeira vez que os americanos se sentiram inseguros, o que era comum na Alemanha, onde cresci, ou em Paris, onde sempre há bombas no metrô. Mas esse pânico também cresceu por conta da mídia, Nova York passou a ser como um "reality show".

Folha - E o show no Carlyle, que será lançado, tem alguma relação com essa situação, já que é um álbum sobre Nova York?
Lemper -
Na verdade, não. É um programa variado, sobre canções que aqui surgiram, há toda uma seção sobre músicas que têm a lua como tema, por exemplo, "Grapefruit Moon", de Tom Waits, além de músicas de Fred Ebb, que morreu no ano passado e era um nova-iorquino famoso por ter composto canções de musicais como "Cabaret" e "Chicago".

Folha - Artistas que dançam, cantam e atuam, como você faz em seus shows, se tornaram raros.
Lemper -
A tradição européia de cabaré, que eu sigo, com a sátira política que nasceu na República de Weimar, de fato não é comum por aqui, onde é mais usual é a "stand-up comedy", muito ligada ao presente. Minha tradição é mais ampla, musical, dirigida à humanidade, gente que é diferente. Já hoje, na Europa, tudo também está mais americanizado, ligado à cultura popular.

Folha - E essas músicas que você canta, várias criadas há quase um século, lhe parecem vanguarda nesse contexto conservador?
Lemper -
Sim, certas músicas são muito engraçadas, e os temas são sobre limites, emancipação de homossexuais, corrupção, guerra, músicas que tratam de questões contemporâneas.

Folha - O diretor Lars von Trier disse que é 60% americano e tem medo dessa parte. Você consegue dizer sua porcentagem americana e qual sua relação com ela?
Lemper -
Não me sinto americana, não me identifico com nada nos EUA. A única coisa com a qual me identifico aqui é que esse lugar é um caldeirão cultural, e disso eu gosto.


Ute Lemper
Quando: na quarta, às 21h
Onde: teatro São Pedro (pça. Mal. Deodoro, s/nº, Porto Alegre, tel. 0/xx/ 51/3227-5542)
Quanto: de R$ 10 a R$ 50



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