São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2007

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Cannes ama Tarantino

Diretor norte-americano apresenta seu quinto filme, "Prova de Morte", e recebe tratamento de ídolo na Riviera francesa

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Com seu quinto longa-metragem, "Prova de Morte", exibido na disputa pela Palma de Ouro, o diretor americano Quentin Tarantino voltou ontem, em grande estilo, ao berço de sua fama no cinema.
Quando debutou no Festival de Cannes -com "Cães de Aluguel" (1992)- e quando venceu a Palma de Ouro -com o filme seguinte, "Pulp Fiction" (1994)-, era marca de Tarantino ser um liqüidificador de referências cinematográficas.
"Prova de Morte" sedimenta o caminho que o diretor seguiu desde então ("Jackie Brown" e os dois volumes de "Kill Bill"), transformando os filmes de Quentin Tarantino no gênero de um homem só.
Como os demais filmes do autor, "Prova de Morte" é um pastiche de seus estilos, filmes e autores favoritos. E, como os demais, tem uma notória marca pessoal na forma da mistura.
Com gestos amplos, fala rápida e abundante e sorriso freqüente, Tarantino disse ontem em Cannes não acreditar num cinema feito para fãs de um único gênero de filmes.
"Não pretendo que meus filmes sejam melhores, mas quero que eles transcendam [os gêneros aos quais pertencem]. Tenho minha própria agenda."
Ele disse que o "ponto de partida" do novo filme foi a idéia de homenagear o "slasher movie", mas decidiu substituir a faca que rasga os personagens nesse tipo de filme pelo carro "à prova de morte" do título, que tem a bordo o vilão Stuntman Mike (Kurt Russel).
O modelo do carro só oferece imunidade ao motorista, e Mike se serve disso para se divertir matando mulheres, à custa de pé no acelerador e batidas, muitas batidas. De novo, Tarantino faz um filme seu jorrar sangue (tributo ao gênero "gore") e ainda aproveita para filmar uma alucinante perseguição de automóvel (ação pura).
"Prova de Morte" é a versão alongada -para 2h07, contra 1h35 original- da metade que Tarantino assina em "Grindhouse", já lançado nos EUA -com retorno de público abaixo do previsto. A outra metade é de Robert Rodriguez, que ficou fora de Cannes.
A escolha de repartir o filme e trazer apenas a parte de Tarantino a Cannes foi defendida pelo produtor Harvey Weinstein como "a decisão correta", para atrair atenção internacional a um projeto que, nos EUA, não saiu como o esperado.
A calorosa recepção que Tarantino teve em Cannes -com um expressivo número de jornalistas agindo como tietes, em busca de autógrafo e fotos- soa como um acerto de Weinstein.
"Tomara que o filme de Rodriguez vá para o Festival de Veneza, que está louco por ele", disse o produtor.
Tarantino disse que "não é 100% correta" a idéia de que ele inovou o gênero de filme B em "Prova de Morte", ao lhe dar um traço feminista, com as mulheres na conquista do poder.
Para o diretor, o fato de as mulheres terem sido alijadas da vaga de heroínas na era do "exploitation" (60/70) diz respeito à história de Hollywood, mas não é comum ao resto do mundo do cinema.

Dupla face
"Prova de Morte", como "Grindhouse", é um filme de dupla face, interligado pela presença do vilão (Russel). No início, seu alvo é a DJ Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier, filha do ator Sidney Poitier) e a dupla de amigas com quem ela circula pela noite de Austin.
O jogo vira na segunda parte, quando Mike vai ao encalço de outro trio de garotas, agora no Tennessee, onde elas estão na folga das filmagens de um longa. Todas procuram se divertir com um elevado grau de aventura, já que uma delas é a dublê Zoe -de fato a profissional Zoe Bell, dublê de Uma Thurman em "Kill Bill".
O "papel" de Zoe não é o único aspecto em que "Prova de Morte" brinca com a filmografia de Tarantino. O cineasta lembrou que ser "auto-referente" é uma crítica que ouve sempre. "Desta vez decidi fazer um pouco mais disso, porque estávamos nos divertindo."
Os diálogos extensos e afiados, outra particularidade dos filmes de Tarantino, também estão em "Prova de Morte" e giram (abertamente) em torno das experiências sexuais das garotas, comentadas entre elas.
Tarantino escreveu palavra por palavra, e a atriz Tracie Thoms disse ter ficado pensando: "Como ele sabe que a gente conversa assim?".
Tarantino e seu filme têm a torcida de parte da imprensa pela Palma. A que ele ganhou é "o maior orgulho" de sua carreira, diz. Mas, para ele, "só existe uma coisa mais seleta do que uma lista dos diretores que têm a Palma de Ouro: a lista dos que não têm".


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