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LITERATURA
Em "Micróbios na Cruz", Marcia Camargos fala da dura adaptação de uma criança mineira à São Paulo dos anos 60
Historiadora volta à infância em primeiro romance
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Protagonista e narradora de
"Micróbios na Cruz", que será
lançado hoje à noite na livraria
Cultura, a menina Formiguinha
tem muito, quase tudo de sua
criadora, a historiadora Marcia
Camargos: mineira, filha de uma
família de classe média tradicional, Formiguinha vem para São
Paulo na primeira infância, quando experimenta um incômodo
deslocamento. Suas coleguinhas
de escola têm "alma loura de
olhos azuis" e, ao contrário dela,
filha de católicos devotados, não
vivem à sombra do medo da punição divina por qualquer pecadilho infantil.
Nascida em Belo Horizonte, Camargos afirma que se especializou em história paulistana para
entender a cidade, onde vive desde os primeiros meses de vida. A
escritora assume as tintas autobiográficas de seu livro, mas ressalta que suas memórias serviram
de ponto de partida para que a
fantasia alçasse vôo em sua estréia
como romancista.
"Acho que estudar a história de
São Paulo foi uma tentativa de decifrar a cidade em que fui jogada
quando criança", diz Camargos,
autora, entre outros, de "A Semana de 22: Entre Vaias e Aplausos".
"Já escrevi também para crianças.
Agora, é como se fosse o caminho
de volta, a criança escrevendo para o adulto. A história da Formiguinha é também um retorno às
origens."
"Micróbios na Cruz" é recheado
de curiosas referências da geração
de Camargos, nascida em meados
dos anos 50. Da infância à puberdade, entre as décadas de 60 e 70,
Formiguinha fala de produtos como Q-Suco e guaraná Caçulinha,
de Bat Masterson na TV e calça de
elanca. "O livro mostra o cotidiano daquela criança, os sonhos de
consumo e os programas na TV
em preto-e-branco, com botão
que girava para mudar de canal",
diz a autora.
Além das marcas de geração,
outra curiosidade de "Micróbios
na Cruz" é a narrativa, que segue
o ritmo da fala infantil. "As crianças não têm a autocensura dos
adultos, que fazem frases com começo, meio e fim. Formiguinha
vai ligando uma coisa com a outra, como o jorro de uma torneira", afirma Camargos.
Por conta das descrições detalhadas de cheiros, sons e cores, o
primeiro romance de Camargos
chegou a ter o título de "Acre,
Ocre, Azul, Anil".
"Chegou-se à conclusão de que
"Micróbios na Cruz" chamaria
mais a atenção do leitor. Há uma
leitura direta, da lembrança da
criança ligada à igreja, sempre
com medo. Formiguinha vê os
pregos enferrujados na cruz e, como criança, pensa que Jesus morreu de infecção, porque não havia
antibióticos. Ao mesmo tempo,
começa a questionar a hipocrisia
da igreja, do catolicismo como
instituição corroída."
Na fala não muito cartesiana de
Formiguinha, Camargos coloca
ainda uma crítica aos valores da
classe média brasileira, os estereótipos e preconceitos de sua
própria infância e adolescência.
"Tudo o que vinha dos Estados
Unidos era o melhor possível.
Não se amamentava porque surgia o leite em pó. O Kennedy era
marido e pai excepcionais. E as
meninas da elite, louras de olhos
azuis como os americanos, eram
impunes. Não pagavam pelos pecados ou iriam pagar, como a Formiguinha."
Micróbios na Cruz
Autora: Marcia Camargos
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (232 págs)
Quando: lançamento hoje, às 19h, na
livraria Cultura do Conjunto Nacional (av.
Paulista, 2.073, Cerqueira César, SP, tel.
0/xx/11/3170-4033)
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