São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Em "Micróbios na Cruz", Marcia Camargos fala da dura adaptação de uma criança mineira à São Paulo dos anos 60

Historiadora volta à infância em primeiro romance

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Protagonista e narradora de "Micróbios na Cruz", que será lançado hoje à noite na livraria Cultura, a menina Formiguinha tem muito, quase tudo de sua criadora, a historiadora Marcia Camargos: mineira, filha de uma família de classe média tradicional, Formiguinha vem para São Paulo na primeira infância, quando experimenta um incômodo deslocamento. Suas coleguinhas de escola têm "alma loura de olhos azuis" e, ao contrário dela, filha de católicos devotados, não vivem à sombra do medo da punição divina por qualquer pecadilho infantil.
Nascida em Belo Horizonte, Camargos afirma que se especializou em história paulistana para entender a cidade, onde vive desde os primeiros meses de vida. A escritora assume as tintas autobiográficas de seu livro, mas ressalta que suas memórias serviram de ponto de partida para que a fantasia alçasse vôo em sua estréia como romancista.
"Acho que estudar a história de São Paulo foi uma tentativa de decifrar a cidade em que fui jogada quando criança", diz Camargos, autora, entre outros, de "A Semana de 22: Entre Vaias e Aplausos". "Já escrevi também para crianças. Agora, é como se fosse o caminho de volta, a criança escrevendo para o adulto. A história da Formiguinha é também um retorno às origens."
"Micróbios na Cruz" é recheado de curiosas referências da geração de Camargos, nascida em meados dos anos 50. Da infância à puberdade, entre as décadas de 60 e 70, Formiguinha fala de produtos como Q-Suco e guaraná Caçulinha, de Bat Masterson na TV e calça de elanca. "O livro mostra o cotidiano daquela criança, os sonhos de consumo e os programas na TV em preto-e-branco, com botão que girava para mudar de canal", diz a autora.
Além das marcas de geração, outra curiosidade de "Micróbios na Cruz" é a narrativa, que segue o ritmo da fala infantil. "As crianças não têm a autocensura dos adultos, que fazem frases com começo, meio e fim. Formiguinha vai ligando uma coisa com a outra, como o jorro de uma torneira", afirma Camargos.
Por conta das descrições detalhadas de cheiros, sons e cores, o primeiro romance de Camargos chegou a ter o título de "Acre, Ocre, Azul, Anil".
"Chegou-se à conclusão de que "Micróbios na Cruz" chamaria mais a atenção do leitor. Há uma leitura direta, da lembrança da criança ligada à igreja, sempre com medo. Formiguinha vê os pregos enferrujados na cruz e, como criança, pensa que Jesus morreu de infecção, porque não havia antibióticos. Ao mesmo tempo, começa a questionar a hipocrisia da igreja, do catolicismo como instituição corroída."
Na fala não muito cartesiana de Formiguinha, Camargos coloca ainda uma crítica aos valores da classe média brasileira, os estereótipos e preconceitos de sua própria infância e adolescência. "Tudo o que vinha dos Estados Unidos era o melhor possível. Não se amamentava porque surgia o leite em pó. O Kennedy era marido e pai excepcionais. E as meninas da elite, louras de olhos azuis como os americanos, eram impunes. Não pagavam pelos pecados ou iriam pagar, como a Formiguinha."


Micróbios na Cruz
Autora:
Marcia Camargos
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (232 págs)
Quando: lançamento hoje, às 19h, na livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/3170-4033)


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Televisão: Aprendizes de Justus derrapam no Provão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.