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Crítica/"Poseidon"
Instinto irracional pela sobrevivência triunfa em aventura convencional
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A melhor cena de "Poseidon" talvez seja aquela,
no início, em que Richard Nelson (Richard Dreyfuss), na amurada do navio,
prepara o suicídio. O navio está
cheio de luz, mas o exterior é
todo negro e, em meio ao negror, o homem consegue distinguir a onda gigantesca que se
forma e ameaça o navio.
Entre a morte escolhida
-por suicídio- e a morte acidental -por efeito da onda-, o
homem poderia deixar-se ficar
na amurada e permitir que as
coisas acontecessem. Mas não:
ele vai para dentro. Não existe
nenhuma coerência em sua atitude (no sentido da velha coerência psicológica do personagem). E talvez seja isso que faz
desse o momento mais interessante do filme: o personagem,
assim como nós, não age buscando ser coerente, mas seguindo um impulso. Esse impulso, no caso, é vital.
Todo o restante do filme
também dirá respeito à luta pela sobrevivência. Convém lembrar que o Poseidon é apanhado por uma onda gigante no Réveillon e emborca. Ao longo da
aventura, a atitude das pessoas
será o que se espera delas. O comandante será um comandante até o final, pedindo calma. As
pessoas gritarão a cada sinal de
que as coisas pioram. Etc.
O filme seguirá um grupo heterogêneo de pessoas que tentará chegar ao casco do navio
-em desacordo com as instruções do comandante. Inútil dizer que o comandante estava
errado. Seguiremos, de início
interessados, a aventura de
personagens como o jogador
Dylan Johns (Josh Lucas), o
idealizador da fuga, o ex-bombeiro e ex-político Robert Ramsey (Kurt Russell), sua filha, o
noivo dela, uma latina clandestina ou o suicida do começo.
O interesse vem do que se
anuncia ser a personalidade de
alguns: o mais promissor é de
longe Russell, de vida pessoal
complicada, à vontade como
herói e cujo conservadorismo
ameaça a felicidade da filha.
Ao longo do filme dirigido
por Wolfgang Petersen, essas
personalidades, em vez de se
desenvolverem, empacam e refluem. Como se os momentos
de perigo tornassem as antigas
paixões indiferentes. O filme
também reflue: torna-se uma
seqüência interminável de episódios acidentais, em que o
grupo enfrenta os riscos por
que se pode esperar. Mas é como se estivéssemos diante de
um velho seriado: há o grupo,
os seguidos perigos, mas nada
mais se desenvolve.
Passamos a observar quase
com indiferença as tremendas
provas a que é submetido o grupo, pois não existe evolução dos
personagens (ou é mínima). Ao
final, tudo a que o espectador
pode se apegar é à cena de
Dreyfuss, no início: "Poseidon"
é um filme em que triunfa o instinto irracional de sobrevivência. Se fosse um pouco menos
bom rapaz e investisse, entre
outros, no que essa vontade de
sobreviver tem de irracional,
incontrolável, eventualmente
desumana, "Poseidon" seria
um filme mais apaixonante.
POSEIDON
Direção: Wolfgang Petersen
Com: Kurt Russell, Josh Lucas, Richard Dreyfuss
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Jardim Sul e circuito
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