São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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Crítica/"Poseidon"

Instinto irracional pela sobrevivência triunfa em aventura convencional

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A melhor cena de "Poseidon" talvez seja aquela, no início, em que Richard Nelson (Richard Dreyfuss), na amurada do navio, prepara o suicídio. O navio está cheio de luz, mas o exterior é todo negro e, em meio ao negror, o homem consegue distinguir a onda gigantesca que se forma e ameaça o navio.
Entre a morte escolhida -por suicídio- e a morte acidental -por efeito da onda-, o homem poderia deixar-se ficar na amurada e permitir que as coisas acontecessem. Mas não: ele vai para dentro. Não existe nenhuma coerência em sua atitude (no sentido da velha coerência psicológica do personagem). E talvez seja isso que faz desse o momento mais interessante do filme: o personagem, assim como nós, não age buscando ser coerente, mas seguindo um impulso. Esse impulso, no caso, é vital.
Todo o restante do filme também dirá respeito à luta pela sobrevivência. Convém lembrar que o Poseidon é apanhado por uma onda gigante no Réveillon e emborca. Ao longo da aventura, a atitude das pessoas será o que se espera delas. O comandante será um comandante até o final, pedindo calma. As pessoas gritarão a cada sinal de que as coisas pioram. Etc.
O filme seguirá um grupo heterogêneo de pessoas que tentará chegar ao casco do navio -em desacordo com as instruções do comandante. Inútil dizer que o comandante estava errado. Seguiremos, de início interessados, a aventura de personagens como o jogador Dylan Johns (Josh Lucas), o idealizador da fuga, o ex-bombeiro e ex-político Robert Ramsey (Kurt Russell), sua filha, o noivo dela, uma latina clandestina ou o suicida do começo.
O interesse vem do que se anuncia ser a personalidade de alguns: o mais promissor é de longe Russell, de vida pessoal complicada, à vontade como herói e cujo conservadorismo ameaça a felicidade da filha.
Ao longo do filme dirigido por Wolfgang Petersen, essas personalidades, em vez de se desenvolverem, empacam e refluem. Como se os momentos de perigo tornassem as antigas paixões indiferentes. O filme também reflue: torna-se uma seqüência interminável de episódios acidentais, em que o grupo enfrenta os riscos por que se pode esperar. Mas é como se estivéssemos diante de um velho seriado: há o grupo, os seguidos perigos, mas nada mais se desenvolve.
Passamos a observar quase com indiferença as tremendas provas a que é submetido o grupo, pois não existe evolução dos personagens (ou é mínima). Ao final, tudo a que o espectador pode se apegar é à cena de Dreyfuss, no início: "Poseidon" é um filme em que triunfa o instinto irracional de sobrevivência. Se fosse um pouco menos bom rapaz e investisse, entre outros, no que essa vontade de sobreviver tem de irracional, incontrolável, eventualmente desumana, "Poseidon" seria um filme mais apaixonante.


POSEIDON   
Direção: Wolfgang Petersen
Com: Kurt Russell, Josh Lucas, Richard Dreyfuss
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Jardim Sul e circuito


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