São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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TEATRO

Casa de candomblé abre portas para peça que trata da busca de identidade por meio das mulheres do sertão do NE

São Jorge leva "Bastianas" ao candomblé

VALMIR SANTOS
ENVIADO A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

O pagode come solto do lado de fora do hotel que hospeda boa parte dos elencos. Protagonismo dos 16 artistas da cia. São Jorge de Variedades. Roda de pandeiro, gogó e toda sorrisos. Dali a meia hora, eles vão conhecer o próximo espaço onde apresentarão "As Bastianas": uma "roça de candomblé", como se diz na religião afro-brasileira.
Depois do asfalto, o microônibus escolar (todo o transporte do evento é feito em veículos desse tipo, graças às férias dos alunos da rede pública) levanta o pó da rua de terra na Estância Jóquei Clube, onde fica o Ilê Asé Katispero, casa de candomblé transformada em palco neste Festival Internacional de Teatro (FIT) de São José do Rio Preto, no noroeste paulista, que vai até domingo.
O terreno amplo, de árvores floridas, lembra uma chácara, como muitas do bairro. Ao fundo, está o barracão onde acontecem as cerimônias da casa de candomblé, cujo nome por extenso é Ilê Asé Adnukuenú Ingomensá Katispero, traduzido do dialeto africano banto como "local onde Oxalá habita e o espera". Quem explica é o babalorixá (pai-de-santo) Carlos Siciliano, 39, batizado na religião como Kingongo d'Anun Gongo, ou "o mago da aldeia", no banto.

Encontro de rituais
Na tarde de quarta-feira, ele recebeu a cia. São Jorge para conhecer o espaço onde se apresenta hoje e amanhã. "Essa aproximação com a cultura é importante. O teatro é um forte ritual", diz Siciliano. A casa existe desde 1964.
"As Bastianas" vingou no ano passado como adaptação de contos do primeiro livro do ator e poeta Gero Camilo, "A Macaúba da Terra" (2002). Trata da busca de uma nova identidade e do cotidiano de uma aldeia no sertão nordestino, com suas histórias e sua religiosidade.
São mulheres que falam da criação, da luta pela terra e da vontade humana de amor, sabedoria e sossego. O espetáculo é itinerante. O público acompanha cenas ao ar livre e em local fechado. Começa na rua, quando uma vendedora ambulante surge com seus "bolos de girassol", abre-alas das histórias de seis devotas, sobretudo devotas de uma cultura popular, e os quatro missionários que encontram no caminho.
Em São Paulo, o espetáculo foi apresentado em albergues municipais (Canindé e Boracea) e na Febem do Tatuapé. A idéia de apresentá-lo numa casa de candomblé partiu de um dos organizadores do festival, Jorge Vermelho. A São Jorge endossou.
O que a companhia define como processo aberto de montagem, sob direção do também ator Luís Mármora, somou à pesquisa paralela sobre a mitologia dos Orixás, ou mitologia Iorubá, agora aplicada ao território propício.

Mato Grosso do Sul
A estética primitiva, naïf, perpassa a dramaturgia e a encenação de "A Noiva", espetáculo de Campo Grande que estréia hoje na programação com uma das companhias pioneiras do teatro sul-mato-grossense: Gutac/Inecon (Grupo Teatral Amador Campo-grandense e Instituto de Educação e Cultura Conceição Freitas), fundada em 1971.
Segundo a autora e diretora Cristina Mato Grosso, a composição da Grécia Antiga e sua mitologia entrelaça a tragédia que envolve a atração incestuosa de um pai pela filha, a submissão forçada desta a um casamento com um coronel e o conflito da autoridade com o namorado da moça, também um explorado.
Há diálogos que se apóiam na estrutura medieval do cordel. O espaço cênico é rústico. "O único recurso é um carrinho de mão que se transforma num fogão. É um espetáculo em estado puro, no sentido trágico", diz Mato Grosso, influenciada nos ano 70 e 80 pelo teatro dos diretores Carlos Alberto Soffredini e Ilo Krugli, que veio ao Festival com a montagem, dividida em duas partes, de "Victor Hugo, Onde Você Está?".


O jornalista Valmir Santos e a fotógrafa Lenise Pinheiro viajam a convite da organização do festival


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