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"QUERIDO ESTRANHO"
Palavras são fortes, mas falta cinema
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Querido Estranho" habita
a zona dos filmes sobre a
família em colapso. Nesse sentido, podemos examiná-lo ao lado
de obras como "Setembro" (de
Woody Allen) e "Festa de Família" (de Thomas Vinterberg). Em
"Festa de Família" e "Setembro",
pessoas castigarão os pais por
meio de armamento pesado -a
memória- e mitos serão destroçados.
Em "Querido Estranho", de Ricardo Pinto e Silva, o mito existe
de modo diferente. Ao mesmo
tempo em que é visto como um
ser de mofo, o pai (Daniel Filho)
funciona como espinhoso dispositivo de consciência: em seu aniversário, celebrará a própria decadência, mas apontará o que há de
estéril e mesquinho à sua volta,
incluindo mulher e filhos. Sarcástico e bêbado, castigará mais do
que será castigado.
Ainda assim, os três filmes se
desenrolam de formas similares.
Durante um dia de comemoração
ou reunião, familiares se machucam, em ambientes relativamente
fechados.
No clímax de "Setembro", acaba a luz. Coisa idêntica ocorre
quando a noite cai em "Querido
Estranho", obra na qual a casa parece transpirar o que há de antiquado e melancólico em torno da
família de classe média que nela
vive. Esses filmes florescem a partir de temas que não nasceram
com o cinema, mas que sugerem,
se não é que exigem, manipulação
e construção fortemente cinematográficas.
Deixando mais claro: em "Festa
de Família", sabotar e desmascarar o pai tinha a ver mesmo com o
ato de romper com o "velho", tirar as máscaras do próprio cinema (um hotel é devassado por câmera digital). Em "Setembro", o
princípio era o contrário: homenageava-se um legado do olhar, o
de Bergman, reciclando-o. Ambos se aproveitam com fome do
cinema.
Em "Querido Estranho", não vigora um projeto cinematográfico
de impacto, nem de reverência seguida de reciclagem. Não há, na
verdade, projeto algum. Aqui, o
cinema é teatro filmado como TV.
A cadência dos movimentos, a comunicação entre personagens e
objetos e a tensão espacial são elementos regulados por códigos do
teatro. O tratamento que esses
itens sofrerão via linguagens de
câmera e de montagem é ajustado
no molde da TV.
Daí que surge estranha sensação de formato desperdiçado e de
filme no qual imagens não estão à
altura das palavras, envenenadas
e, em geral, potentes.
Querido Estranho
Produção: Brasil, 2004
Direção: Ricardo Pinto e Silva
Com: Daniel Filho, Ana Beatriz Nogueira
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Cineclube DirecTV, Pátio
Higienópolis e circuito
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