São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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"BALZAC E A COSTUREIRINHA CHINESA"

Exotismo sufoca canto de liberdade

THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No começo dos anos 70, o jovem chinês Dai Sijie é enviado pelo exército de Mao Tse-tung a um dos chamados campos de reeducação, fincados em montanhas distantes do território chinês, para realizar trabalho camponês forçado. Era considerado um "intelectual burguês" e precisava conformar-se à ideologia da Revolução Cultural, instalada em 1949.
Muitos anos depois, já livre do jugo maoísta, ele estudou cinema e partiu para a França, onde foi fazer filmes. Foi quando lembrou de alguns amigos do tal campo com os quais se dedicava a ler romances franceses proibidos, de Balzac a Flaubert, passando por Stendhal e Dumas.
Pôs-se a romancear sobre um triângulo amoroso em meio aos livros. Nasceu assim, em 2000, o best-seller "Balzac e a Costureirinha Chinesa", que vendeu 250 mil cópias na França.
O sucesso foi tanto que o romance foi traduzido para 25 línguas apesar de estar proibido até hoje na China. E gerou um filme, que Sijie dirigiu por conta própria, apresentado em Cannes e indicado ao Globo de Ouro em 2002.
Toda essa lista de referências faz supor um filme melhor do que aquele que o escritor-cineasta conseguiu realizar. A trama do livro é toda preservada: o deslocamento dos jovens burgueses em relação aos camponeses, a atração velada que se desenvolve entre os dois amigos e a costureira do título, a paisagem montanhosa da província de Hunan.

Poder libertador da palavra
Mas o cinema não consegue recuperar aquilo que fazia a força do romance: o poder libertador da palavra, dos primeiros romances lidos, das primeiras novas idéias de repente impregnadas na consciência.
A claustrofobia intelectual dos personagens não encontra um correspondente visual. E assim também perde força, na tela, a liberdade trazida pela descoberta da literatura ocidental.
Outro fator limitador vem do fato de Sijie, há 20 anos morando na França, imprimir um ponto de vista puramente ocidental à sua história. Os enquadramentos, a música, a fotografia, tudo colabora para aumentar a atmosfera de exotismo.
Curioso notar que os protagonistas só se encantam com os livros da terra de Balzac. Os produtores franceses encontraram uma boa maneira de enaltecer seus cânones literários. Os americanos podem ser os maiores, como já se sabe, mas não são os únicos a lançar mão do imperialismo cultural pelo cinema.


Balzac e a Costureirinha Chinesa
Balzac et la Petite Tailleuse Chinoise

  
Produção: China/França, 2002
Direção: Dai Sijie
Com: Ziiou Xun, Chen Kun-chang, Liu Ye
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco e em outros cinemas



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