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MÚSICA
Em novo disco, Thomas Pappon aproxima-se da MPB e da bossa nova
The Gilbertos aprofunda experiências de "exilado"
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Ele fez seu nome num tempo
em que os roqueiros paulistanos
achavam que iam conquistar o
mundo, movidos a muita desolação britânica. Hoje, vários anos
mais velho, ele viu os sonhos de
sua geração acabarem com a chegada dos anos 90, baixou a bola,
desistiu do Brasil e quer mais é ser
um hippie sem ambição.
Thomas Pappon, 44, lança
"Deite-se ao Meu Lado", o segundo disco com The Gilbertos, banda de uma pessoa só que surgiu
quando esse paulistano de ascendência alemã resolveu morar em
Londres. Homem, banda e disco
são resultados práticos de uma
ordem global em que só é possível
compreender o Brasil quando se
vive no exterior.
"Saí do Brasil há 13 anos. Desisti
da música brasileira em 1978, desde então não encontrei mais nada
de apaixonante, que chegasse aos
pés de um "Lóki?" (Arnaldo Batista), de um "Clube da Esquina"
etc.", diz Pappon à Folha.
Fundador do oitentista Fellini, o
músico aprendeu uma lição: o
status de cult band não enche a
barriga de ninguém. Desse tempo, Pappon guarda também a essência musical -continua o samba com sotaque europeu e toques
eletrônicos-, mas aprofunda sua
fase de "brasileirização".
"No começo, quando morava
na Alemanha, a idéia era lançar
alguma coisa na Europa. O nome
"The Gilbertos" vem desse desejo.
Não deu certo, mesmo porque
nunca fiz shows", diz o músico.
Deixa claro, no entanto, que não
chegou a alimentar grandes sonhos de estrelato. "Continuo pelas mesmas razões dos tempos do
Fellini: para fazer o tipo de música
que gostaria de fazer, já que ninguém faz. É um hobby de luxo."
"Deite-se ao Meu Lado" reflete,
portanto, certo caráter caseiro,
quase artesanal. Sem grandes recursos de produção, é lançado de
forma independente pelo selo carioca Midsummer Madness.
"Meu ponto de partida foi a
vontade de fazer MPB na linha
folk, com violões, bandolins e ritmos acústicos. A bossa nova não
foi convidada para essa festa, mas
ela sempre acaba aparecendo, seja
no vocal baixinho bem perto do
microfone, seja na levada mais
suave de um sambinha."
Ao contrário do disco de estréia
do Gilbertos, este tem apenas
uma música em inglês, e não traz
os vocais de sua mulher, Karla. No
espírito "tudo em casa", "Deite-se" conta com participação de
Sean O'Hagan (The High Llamas), que toca banjo em "Dia D".
"Ele mora perto de casa e adora
várias coisas de MPB; já a Karla
não quis participar, de birra, e não
gostou de algumas idéias. Mas ela
deu palpites importantes."
Por mais que tente "brincar" de
cantor de MPB, o tal espírito do
rock paulista não o abandona.
Akira S (do mítico Akira S e As
Garotas que Erraram), por exemplo, é um dos elementos fundamentais no disco. "Ele vive em
Amsterdã e me dá "assessoria" por
telefone quando preciso resolver
problemas técnicos", explica.
Da mesma turma, Pappon homenageia outro "herói" do período, o guitarrista Minho K (do 3
Hombres, entre inúmeros outros
grupos), na balada de caubói
"Goodbye, Hombre". "Não sei se
a morte dele foi o fim de uma era,
acho um exagero. Os anos 80 foram uma época vibrante porque
havia um underground ativo.
Mas isso só durou até 1988/89. O
underground foi sufocado, sumiu. E nunca mais voltou", conclui o músico.
A visão realista vale também
quando o homem do Gilbertos fala sobre um possível interesse estrangeiro pela sua música "tropical". "Dá para encontrar o disco
em sites e lojas européias; teve
uma música minha que saiu numa coletânea em Portugal e fui
entrevistado por um jornalista
sueco. Mas é difícil afirmar que
"entrei" no mercado estrangeiro."
"Esse jornalista perguntou se eu
gostava de Bebel Gilberto. Fui honesto, disse que odiava a música
dela. Infelizmente é essa a "visão"
que o europeu tem da música brasileira moderna: a da bossa banal
sobre loops eletrônicos." Pappon
é hippie-punk das antigas.
DEITE-SE AO MEU LADO. Artista: The
Gilbertos. Lançamento: Midsummer
Madness (distribuição: Tratore). Quanto:
R$ 20, em média.
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