São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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MÚSICA

Em novo disco, Thomas Pappon aproxima-se da MPB e da bossa nova

The Gilbertos aprofunda experiências de "exilado"

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Ele fez seu nome num tempo em que os roqueiros paulistanos achavam que iam conquistar o mundo, movidos a muita desolação britânica. Hoje, vários anos mais velho, ele viu os sonhos de sua geração acabarem com a chegada dos anos 90, baixou a bola, desistiu do Brasil e quer mais é ser um hippie sem ambição.
Thomas Pappon, 44, lança "Deite-se ao Meu Lado", o segundo disco com The Gilbertos, banda de uma pessoa só que surgiu quando esse paulistano de ascendência alemã resolveu morar em Londres. Homem, banda e disco são resultados práticos de uma ordem global em que só é possível compreender o Brasil quando se vive no exterior.
"Saí do Brasil há 13 anos. Desisti da música brasileira em 1978, desde então não encontrei mais nada de apaixonante, que chegasse aos pés de um "Lóki?" (Arnaldo Batista), de um "Clube da Esquina" etc.", diz Pappon à Folha.
Fundador do oitentista Fellini, o músico aprendeu uma lição: o status de cult band não enche a barriga de ninguém. Desse tempo, Pappon guarda também a essência musical -continua o samba com sotaque europeu e toques eletrônicos-, mas aprofunda sua fase de "brasileirização".
"No começo, quando morava na Alemanha, a idéia era lançar alguma coisa na Europa. O nome "The Gilbertos" vem desse desejo. Não deu certo, mesmo porque nunca fiz shows", diz o músico.
Deixa claro, no entanto, que não chegou a alimentar grandes sonhos de estrelato. "Continuo pelas mesmas razões dos tempos do Fellini: para fazer o tipo de música que gostaria de fazer, já que ninguém faz. É um hobby de luxo."
"Deite-se ao Meu Lado" reflete, portanto, certo caráter caseiro, quase artesanal. Sem grandes recursos de produção, é lançado de forma independente pelo selo carioca Midsummer Madness.
"Meu ponto de partida foi a vontade de fazer MPB na linha folk, com violões, bandolins e ritmos acústicos. A bossa nova não foi convidada para essa festa, mas ela sempre acaba aparecendo, seja no vocal baixinho bem perto do microfone, seja na levada mais suave de um sambinha."
Ao contrário do disco de estréia do Gilbertos, este tem apenas uma música em inglês, e não traz os vocais de sua mulher, Karla. No espírito "tudo em casa", "Deite-se" conta com participação de Sean O'Hagan (The High Llamas), que toca banjo em "Dia D". "Ele mora perto de casa e adora várias coisas de MPB; já a Karla não quis participar, de birra, e não gostou de algumas idéias. Mas ela deu palpites importantes."
Por mais que tente "brincar" de cantor de MPB, o tal espírito do rock paulista não o abandona. Akira S (do mítico Akira S e As Garotas que Erraram), por exemplo, é um dos elementos fundamentais no disco. "Ele vive em Amsterdã e me dá "assessoria" por telefone quando preciso resolver problemas técnicos", explica.
Da mesma turma, Pappon homenageia outro "herói" do período, o guitarrista Minho K (do 3 Hombres, entre inúmeros outros grupos), na balada de caubói "Goodbye, Hombre". "Não sei se a morte dele foi o fim de uma era, acho um exagero. Os anos 80 foram uma época vibrante porque havia um underground ativo. Mas isso só durou até 1988/89. O underground foi sufocado, sumiu. E nunca mais voltou", conclui o músico.
A visão realista vale também quando o homem do Gilbertos fala sobre um possível interesse estrangeiro pela sua música "tropical". "Dá para encontrar o disco em sites e lojas européias; teve uma música minha que saiu numa coletânea em Portugal e fui entrevistado por um jornalista sueco. Mas é difícil afirmar que "entrei" no mercado estrangeiro."
"Esse jornalista perguntou se eu gostava de Bebel Gilberto. Fui honesto, disse que odiava a música dela. Infelizmente é essa a "visão" que o europeu tem da música brasileira moderna: a da bossa banal sobre loops eletrônicos." Pappon é hippie-punk das antigas.


DEITE-SE AO MEU LADO. Artista: The Gilbertos. Lançamento: Midsummer Madness (distribuição: Tratore). Quanto: R$ 20, em média.


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