São Paulo, sábado, 23 de julho de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Exposição, evento paralelo a congresso de psicanálise, aborda a dor político-social, metafísica e física

Estação Pinacoteca exibe a beleza da dor

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Obra de arte não é para interpretar, é para ser", diz o curador Olívio Tavares de Araújo. Mas, tendo em vista que "Dor, Forma e Beleza", que é aberta hoje na Estação Pinacoteca, em São Paulo, foi organizada como evento paralelo ao 44º Congresso Internacional da Associação de Psicanálise, os curadores, já que o analista Leopoldo Nosek também assina a mostra, não se furtaram a dar suas leituras sobre a produção contemporânea nacional.
É o caso, por exemplo, da série de fotos de Rafael Assef. "Ele, o artista, diz que esses trabalhos não tratam da dor, são apenas visuais, mas o que eu vejo são cortes na pele, inclusive com sangue. É impossível não pensar em dor", conta Araújo.
Para organizar a exposição, entretanto, os curadores realizaram um percurso que, ao final, se distanciou do encontro de psicanálise: "Partimos de um dos subtemas do Congresso, o terror do 11 de Setembro. Mas achamos que não dá para abordar o terror, já que do ponto da psicanálise, ele é uma emoção à qual não se dá nome. Então, usamos a dor, num sentido mais amplo, para tratar dessa questão", conta Araújo.
A equação proposta pelos curadores, e que dá título à exposição, segundo Araújo, "é que a partir da dor é possível que artistas realizem uma formatação e, como resultado, se a obra for boa, seja bela, mas não em um sentido acadêmico". Nesse sentido, a mostra aborda a dor em três percursos distintos: um político-social, outro metafísico e o último, mais literal, o físico.
O percurso que dá início à exposição é relativo ao campo político-social e, obviamente, a referência direta é a produção dos anos 60 e 70, sobre a ditadura militar. Participam desse segmento artistas já consagrados, como Cildo Meireles, com o registro de sua performance, em 1970, quando queimou 20 galinhas vivas, e as trouxas de carne, de Artur Barrio, do mesmo período. Ambas são referências explícitas à tortura, que então ocorria no país, inclusive no próprio prédio onde hoje a mostra é realizada.
Já outras, como a bandeira "Viva Maria" (1967), onde está escrito "canalha", de Waldemar Cordeiro, e "Acontecimento", de Nelson Leirner, com um rato preso em uma ratoeira, ganham atualidade frente à situação na qual o país do "mensalão" atravessa.
O segundo segmento, o metafísico, tem como base trabalhos de artistas que partem de questões circunstanciais, em geral, biográficas. É o caso do atormentado universo de Farnese de Andrade, ou da solidão homoerótica de Leonilson. "Ele poderia ser um poeta, ao tratar da incomunicação amorosa", afirma Araújo, ao ler um dos textos escritos pelo artista em uma de suas obras expostas: "Mas você pode quebrar minha perna e fazer a minha boca sangrar, não tenha medo meu rapaz". Ainda nesse grupo, tomam parte Ivan Serpa, Flávio Shiró e Iberê Camargo, entre outros.
Finalmente, o segmento sobre a dor física reúne a geração mais jovem da mostra, com trabalhos recentes, como as fotografias de Assef, a série de radiografias "Retrato Íntimo" de Cris Bierrenbach, os registros de performance de Amilcar Packer, as imagens de Suzy Okamoto e Karla Giroto, e a instalação "Cama", de Nazareth Pacheco. Não deixa de ser simbólico que o percurso tenha começado com uma geração mais engajada politicamente, e que a dor, hoje, esteja na carne, o que parece dizer que já que não se muda o social, é preciso transformar o próprio corpo. Mas, e o 11 de Setembro?

Entrante
Também, hoje, é aberta na Estação Pinacoteca a mostra da carioca Germana Monte-Mór, com curadoria de Alberto Tassinari. Com obras em vários suportes, a artista apresenta uma série de esculturas, em mármore e granito, além de um painel composto por 60 gravuras e trabalhos em asfalto sobre papel.


Dor, Forma e Beleza /Entrante
Quando:
abre hoje, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h; até 28/8 (Entrante) e 4/9 (Dor, Forma e Beleza)
Onde: Estação Pinacoteca (largo General Osório, 66, Luz, SP, tel. 0/xx/11/3337-0185)
Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados)


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